Em visita a Washington, presidente argentino que se diz identificado com o liberalismo econômico mostra alinhamento ao republicano em sua política protecionista. Os dois podem se encontrar ainda hoje
Entre aplausos, o presidente da Argentina, Javier Milei, prometeu neste sábado aderir à política de tarifas recíprocas defendida por Donald Trump, durante um discurso em uma convenção conservadora perto de Washington. No palco, ele criticou o que chamou de “uma classe política com complexo de Deus”.
O presidente republicano dos Estados Unidos, com quem Milei tem uma grande afinidade ideológica, planeja aplicar a partir de 2 de abril o que chama de “tarifas recíprocas”, ou seja, impor a cada país o mesmo nível de tarifas alfandegárias que estes aplicam aos produtos americanos, mesmo que se tratem de nações em desenvolvimento como a Argentina.
A partir de 12 de março, Washington também taxará em 25% as importações de aço e alumínio de todos os seus parceiros comerciais, e a Argentina é um dos países latino-americanos mais afetados por esses impostos.
— A Argentina quer ser o primeiro país do mundo a aderir a este acordo de reciprocidade que a administração Trump propõe em matéria comercial — afirmou Milei, que foi calorosamente recebido na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), nos arredores da capital americana.
Além de festejar o protecionismo de Trump, o presidente argentino que se elegeu identificado com o liberalismo econômico também manifestou interesse em negociar um acordo de livre comércio com os EUA, mas colocou o Mercosul como principal empecilho.
— Se não estivéssemos restringidos pelo Mercosul, a Argentina já estaria trabalhando em um acordo de livre comércio com os Estados Unidos que seja mutuamente benéfico — acrescentou, referindo-se ao bloco que seu país integra junto ao Brasil, Paraguai e Uruguai.
Segunda independência
O líder argentino, que pode se reunir neste sábado com Trump, precisa do apoio da Casa Branca para negociar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), cuja diretora Kristalina Georgieva ele encontrou nesta semana.
— Hoje nossos países, Argentina e Estados Unidos, precisam passar por uma segunda independência. A primeira nos libertou do poder das monarquias europeias. A segunda nos libertará da tirania do partido do Estado — disse em um discurso longo em espanhol no qual interagiu ocasionalmente com o público em inglês.
Ele se comparou a Trump e se disse comprometido com “o mandato claro de tirar deles um poder que não lhes pertence”, referindo-se à burocracia estatal.
— Dizem que Trump e eu somos um perigo para a democracia, mas na realidade estão dizendo que somos um perigo para eles — declarou o presidente ultraliberal argentino, que não hesitou em apoiar o magnata republicano até mesmo antes das eleições de novembro, quando ainda governava os EUA o democrata Joe Biden. — Somos um perigo para o partido do Estado. Eles têm razão, somos seu pior pesadelo.
Internacional de direita-
O líder argentino defendeu “formar uma aliança de nações […] uma internacional de direita” para enfrentar “a casta política”.
Milei não poupou elogios ao governo Trump. Aplaudiu, por exemplo, o desmantelamento da agência governamental para a distribuição de ajuda global, a Usaid, acusando-a de má administração de fundos.
Milei pôs em dúvida legitimidade de Lula
O presidente argentino voltou a alfinetar o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, colocando em dúvida sua eleição. Ele criticou “fraudes eleitorais como no Brasil” justamente em um momento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado de Trump e do próprio Milei, enfrenta uma tempestade judicial por acusações de ter encorajado a tentativa de um golpe de Estado.
— Em alguns países da Europa, cidadãos estão sendo presos por se expressarem nas redes sociais — denunciou Milei, ecoando afirmações recentes de Trump e de seu vice-presidente J. D. Vance.
Ele também atacou “governos com aspirações discriminatórias como o da África do Sul”, muito criticado recentemente por Washington. E ainda saiu em defesa de seu “querido amigo” Elon Musk, o homem mais rico do mundo, a quem Trump encarregou de cortar os gastos públicos federais.
Milei presenteou Musk com uma motosserra, símbolo de sua campanha populista à Casa Rosada, antes de se reunir com o bilionário na quinta-feira.
— O que eles impuseram sem o nosso consentimento está sendo eliminado sem o consentimento deles — afirmou Milei. — Por isso passamos a motosserra pelos setores e atribuições do Estado que consideramos supérfluos, redundantes, desnecessários ou diretamente prejudiciais à sociedade.
Durante o governo de Milei, a inflação argentina diminuiu, mas a pobreza aumentou e chega a afetar 52,9% da população, segundo dados oficiais.
Milei prometeu seguir utilizando a “motosserra profunda” para “continuar reduzindo o tamanho do Estado”, porque para ele “o inimigo” das sociedades ocidentais é “uma classe política com complexo de Deus”, chamada por ele de “partido do Estado”.
Reprodução: Folha de São Paulo
Foto: Saul Loeb/AFP