Leis começaram a surgir em dezembro de 2023, e parte delas possibilita criar e registrar bets locais. Bodó (RN), única loteria em funcionamento, liberou 37 empresas não-autorizadas pela União a ter jogos online.
Por Artur Nicoceli, Arthur Stabile, g1
Desde que o governo federal regularizou, em dezembro de 2023, as apostas de quota fixa, pelo menos 77 municípios brasileiros aprovaram leis para criar suas próprias loterias com cassino online. Esse movimento, no entanto, é considerado irregular pelo governo federal.
Um levantamento realizado pelo g1 sobre as loterias municipais apontam que:
- Três das cidades tiveram leis aprovadas, mas ainda não foram sancionadas pelos prefeitos para entrarem em vigor;
- 39 leis foram sancionadas por prefeitos, mas ainda não avançaram;
- 17 prefeituras estão em fase de estudo ou de implantação da loteria;
- 17 municípios estão na última etapa: aguardam a conclusão de editais ou licitações para contratar empresas que irão operar as loterias e/ou bets;
- e uma está em funcionamento, em Bodó (RN).
Dos 77 municípios com leis sobre loterias, 10 querem operar especificamente bets — como são chamadas as marcas das empresas que oferecem as apostas de quota fixa. Enquanto outras contemplam diferentes jogos, como sorteios de dezenas em datas e horários definidos.
O objetivo das prefeituras, segundo os documentos consultados pelo g1, é gerar arrecadação de forma prática e rápida para financiar serviços públicos, como saúde, educação e assistência social. Algumas leis municipais definem taxas sobre as empresas que operarem os jogos, que variam entre 2% e 5%.
A ‘brecha legal’ e a interpretação dos municípios
Apesar do avanço dessas iniciativas por parte dos municípios, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), do Ministério da Fazenda, considera que é irregular a criação dessas loterias municipais.
A pasta afirma que a Lei 14.790/2023, que regulamentou as apostas de quota fixa, define que apenas a União, estados e o Distrito Federal podem explorar esse tipo de serviço. No texto da lei, municípios não são citados.
Além dessa lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2020 que a União não tinha exclusividade na exploração de loterias e estendeu esse direito aos estados. A partir disso, especialistas consideram que a falta de uma legislação sobre as cidades brasileiras abriu brecha para uma livre interpretação.
“A interpretação dos municípios é que, por não existir proibição expressa, eles estão autorizados a criar suas loterias municipais. Como a lei não diz nada especificamente sobre as cidades brasileiras e, até o momento, o Supremo não mandou suspender nada, [os municípios] podem legislar e explorar esse tipo de serviço”, analisa a professora Telma Rocha, de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Mackenzie Alphaville.
O pesquisador da FGV Direito Rio e autor do livro “Direito e regulação das apostas no Brasil”, Luiz César Loques, diz por sua vez que “o boom do setor” de bets “fez com que municípios ficassem mais atraídos a explorar esse tipo de atividade”, com foco em arrecadar mais dinheiro enquanto aguardam que o STF analise uma ação que trata de loterias municipais.
“O problema é que o STF [ainda] não se manifestou sobre o assunto”, diz Loques.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1212 vai decidir se as cidades podem ou não explorar esse tipo de atividade. A última movimentação aconteceu em 17 de setembro de 2025, quando houve repasse do texto à Procuradoria-Geral da República.
Como funcionam as loterias municipais
Até agora, apenas uma cidade colocou seu projeto em prática e tem loteria em funcionamento: Bodó, no Rio Grande do Norte. A Lotseridó foi sancionada em 3 de julho de 2024, pelo prefeito Marcelo Mário Porto Filho (PSD).
As empresas que desejam operar jogos virtuais precisam se credenciar na plataforma do município, enviar relatórios mensais detalhados sobre transações e repassar 2% da receita bruta obtida. Conforme a lei aprovada, o montante arrecadado será destinado a programas de assistência social e desenvolvimento local
Bodó autorizou 37 empresas a operar loterias municipais. Nenhuma dessas empresas está autorizada a prestar o serviço pela Secretaria de Apostas do Ministério da Fazenda.