segunda-feira, abril 7, 2025
Desde 1876

Mulheres pressionam Corte equatoriana para descriminalizar aborto

Manifestantes pedem apreciação de ação apresentada em 2024

Movimento sociais e organizações que defendem os direitos das mulheres pressionam a Corte Constitucional do Equador para que o aborto deixe de ser considerado crime no país. As organizações pedem a apreciação de uma ação apresentada em 2024 pela descriminalização do aborto. 

Atualmente, o aborto é permitido no Equador apenas quando a gravidez representa risco para a saúde da mulher, quando não há outra alternativa e nos casos de estupro. A pauta, no entanto, enfrenta resistência sobretudo religiosa e conservadora, uma vez que a maior parte da população do país é católica.

Em 19 de março do ano passado, organizações da sociedade civil apresentaram à Corte Constitucional uma ação de inconstitucionalidade referente ao Artigo 149 do Código Orgânico Integral Penal. O artigo vigente estabelece pena de um a três anos de prisão para pessoas que realizarem aborto em mulheres, mesmo de forma consentida. Para as mulheres que se submeterem ao aborto, a pena é de seis meses a dois anos de reclusão.

Segundo a mesma legislação, o aborto já é permitido em casos em que a gravidez represente risco para a vida ou a saúde da mulher e se esse risco não puder ser evitado de outra forma. O aborto em casos de estupro passou a ser permitido pela Corte em 2021 e, em 2022, foi regulamentado pela Assembleia Nacional do Equador. Até então, era permitido apenas o aborto em casos de estupro de mulheres com deficiência mental.

“Este é um crime que está previsto na nossa legislação desde 1872. Evidentemente, com uma constituição que não garantia a igualdade às mulheres, não tínhamos os mesmos direitos dos homens, estávamos em uma situação de subordinação jurídica e um dos resíduos que foram mantidos é este: a criminalização do aborto de mulheres que decidem abortar e de profissionais que ajudam as mulheres”, diz a advogada, mestre em direitos humanos e coordenadora da Aliança pelos Direitos Humanos do Equador, Vivian Idrovo. A Aliança reúne 14 organizações da sociedade civil equatoriana.

Um ano após ser apresentada à Corte Constitucional, a ação ainda não foi analisada. Para entidades que defendem a pauta, a descriminalização é urgente para garantir os direitos das mulheres. “É um crime arcaico, um crime que nasce com uma Constituição autoritária”, diz Vivian Idrovo.

Rio de Janeiro – 04/04/2025 Movimento sociais e organizações que defendem os direitos das mulheres no Equador pressionam a Corte Constitucional do país para que o aborto deixe de ser considerado crime. ( Na foto, Vivian Idrovo).  Divulgação/ Trenza Gestora Comunicacional, Justa Libertad

Crime é arcaico, está na Constituição desde 1872, diz a advogada Vivian Idrovo – Foto:  Divulgação/Trenza  Gestora  Comunicacional,  Justa  Libertad

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 25 milhões de abortos inseguros ocorrem a cada ano em todo o mundo. A OMS estima que, a cada ano, entre 4,7% e 13,2% das mortes maternas ocorrem em consequência de abortos inseguros.

Há ainda uma diferença entre a situação socioeconômica dos países. Nas regiões desenvolvidas, estima-se que para cada 100 mil abortos inseguros ocorram 30 mortes, enquanto nas regiões em desenvolvimento, esta proporção sobe para 220 mortes por 100 mil abortos inseguros.

Dados oficiais compilados pelas organizações equatorianas mostram que, no país, nos últimos dez anos, 493 pessoas foram criminalizadas pela prática de aborto, das quais 21% eram meninas e adolescentes na faixa etária entre 12 e 17 anos. A maioria, 48%, tinha idade entre 18 e 29 anos e 14% estavam na faixa entre 30 e 64 anos.

Manifestações

Diante de tal situação, no dia 19 de março, as organizações sociais tomaram as ruas de cidades como a capital, Quito; Lago Agrio; Imbabura; Esmeraldas; El Oro; Cuenca; Guayaquil; Loja e São Cristóvão, no Arquipélago de Galápagos, pedindo que o aborto seja descriminalizado no país.

As 168 cartas reunidas nessas manifestações foram encaminhadas à Corte Constitucional, e eram tanto de pessoas que passaram por abortos quanto daquelas que acompanharam quem esteve nessa situação. Os relatos são de mulheres de diferentes idades e etnias. O número representa as 168 mulheres que abortam ilegalmente no país todos os dias, de acordo com estimativa da OMS.  

“Cento e sessenta e oito mulheres, seus relatos, sua urgência, seus problemas, suas dores e os riscos que estão correndo, que existem a cada dia”, diz Vivian Idrovo. “Queremos dizer à Corte que é urgente, que tem que acelerar essa causa, esse trâmite. Que não passem cinco anos, que não passem 10 anos sem apreciá-la, porque é urgente. Os direitos das mulheres são direitos humanos e, se não são garantidos, geram graves consequências.”

Segundo a advogada, os relatos das cartas têm em comum o medo de fazer o procedimento de forma clandestina. As pessoas que compartilharam as histórias dizem que não se arrependeram e que não teriam condições de agir de outra forma.

Uma das cartas traz a história de uma jovem que acabava de terminar a universidade quando conheceu um rapaz. Ele mentiu para ela sobre ter feito vasectomia e não quis tomar os cuidados necessários para prevenir uma gravidez. Quando descobriu que estava grávida, a jovem se desesperou e decidiu abortar porque não tinha condições de criar uma criança.  

“Depois do aborto, um mar de emoções me cercou, mas, no fundo do meu coração, eu tinha certeza de que tinha feito a coisa certa. Mesmo assim, viver numa sociedade que te julga, que te aponta, que te chama de assassina sem saber nada sobre você, tornou tudo ainda mais difícil. Vi comentários, ouvi opiniões e senti que cada palavra de ódio era dirigida a mim. Que eles estavam apontando o dedo para mim. E o pior foi o medo. Medo de falar. Medo de que alguém descobrisse. Medo de, a qualquer momento, ser acusada de um crime por ter tomado uma decisão sobre meu próprio corpo. E esse medo ainda não desapareceu”, relata a jovem, que não é identificada.

Ela faz um pedido: “Estimada Corte, falo por mim e por todas as mulheres que passaram por isso. Pedimos que o aborto seja descriminalizado. Não queremos que outras experimentem o que nós vivemos: o medo, a culpa imposta, o perigo de morrer fazendo-o em segredo. Criminalizar o aborto não impede que ele aconteça. Apenas faz com que isso aconteça em condições mais cruéis, mais injustas e mais desumanas”.

Situação no Brasil

A discussão sobre a descriminalização do aborto no Brasil tem semelhanças com o que está ocorrendo no Equador. Também no Brasil, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pede a descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação, está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).

“O cenário brasileiro está um pouco conturbado. Hoje o Supremo está muito pressionado”,  diz a professora associada de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro [UFRJ] Luciana Boiteux, uma das signatárias da ADPF. “Sempre que o Supremo está muito em voga e pressionado por outras pautas, fica difícil pautar direitos sexuais e reprodutivos das mulheres porque é um tema por si só polêmico. Acho difícil fazer qualquer previsão sobre esse tema”, acrescenta.  

No Brasil, o Código Penal proíbe o aborto, exceto em casos de estupro, de risco à vida da mãe e em casos de anencefalia, ou seja, malformação que impede o desenvolvimento do cérebro. A pena é de um a três anos para mulheres que decidem abortar e de um a quatro anos para os profissionais que realizam o procedimento. 

A questão é foco de disputa no Brasil. Alas conservadoras do Congresso Nacional chegaram a votar no Parlamento uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que acaba com as possibilidades de aborto autorizadas no Brasil. A PEC tramita na Câmara dos Deputados.

“A questão no mundo todo é uma questão de saúde pública, mas especificamente no Brasil, que a gente vê um número muito alto de mortes maternas que são mortes evitáveis, ou seja, de mulheres que não têm condições de ter filho e que não tiveram acesso a um aborto legal e seguro e acabam por isso morrendo, por uma conduta que não deveria nem ser crime”, defende Luciana.

Para ela, olhar para experiências de outros países e debater abertamente o assunto é importante. “Hoje esse tema é discutido abertamente. E, com isso, consegue-se  também sensibilizar as pessoas.”

*Colaborou Leonardo Vieira, do Serviço de Língua Estrangeira, que conferiu e traduziu as declarações feitas em espanhol

Mariana Tokarnia* – Repórter da Agência Brasil

Foto: Trenza Gestora Comunicacional

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