quinta-feira, dezembro 11, 2025
Desde 1876

LITERATURA – Dois dormindo juntos

Mamãe contava muitas situações da parentela, haja vista ter muitos tios, mais de dez, irmãos de seu pai e sua mãe. Todos morando no interior, na mesma localidade ou em localidades próximas no município de Maracanã.

Situações essas, gravadas em sua memória, serviam para rir, como exemplos de conduta pessoal e que foram repassadas para outras gerações.

Uma dessas histórias tem como protagonistas o tio Wenceslau, irmão de mamãe, e seu primo Zacarias, filho de um irmão de seu pai.

À época esse meu tio não tinha irmãos, apenas mamãe como irmã. E então ele brincava com seus primos, da mesma faixa etária, e que eram vários, entre os quais, Zacarias, com a mesma idade. Estiveram juntos em diversas brincadeiras da época, tomavam banho na maré do rio Caripi que banha várias localidades, entre as quais, a que moravam – Porto Alegre.

E assim cresceram, passando a pescar juntos, tirar caranguejo no mangal, apanhar sururinas em arapucas armadas na mata, banhos em igarapés, subidas em mangueiras, colhendo frutos para si e para os de casa, e outras tarefas que cheguei a ver e fazer quando também fui criança.

Os dois primos cresceram e já jovens, iam juntos para as festas dançantes que ocorriam nas redondezas, na maioria indo a pé; quando longe, iam a cavalo e em outras, de canoa.

Numa tarde de sábado, eles usaram uma canoa e foram de Porto Alegre até a vizinha Santa Maria do Caripi e lá chegando, atracaram a pequena embarcação em uma das estacas no porto e seguiram para um campo de futebol. Quando findou a tarde, tomaram banho e à noite, depois da janta, foram até um salão de festas e ali reencontraram amigas e amigos, alguns juntos com seus pais, assistindo comédias muito comuns à época e depois o dançará, sendo que tais festas se estendiam até a madrugada e às vezes até o amanhecer.

Haviam programado voltar ao porto, para retornar a Porto Alegre, antes da preamar que seria às três horas da madrugada daquele domingo.

Mas, acabaram se distraindo e passaram da hora e, quando se chegaram ao porto com a maré na vazante não havendo mais condições de se deslocaram para casa. Destarte, teriam que esperar a enchente, para retornarem às suas casas no início da tarde.

E agora, como passariam o resto da madrugada, pois todas as casas estavam fechadas?

Saíram andando para buscar uma possibilidade de passar aquele resto de noite e viram uma pequena casa de taipa coberta de palha e, ao passarem perto, constataram que seu ocupante, um velhinho, estava acordado, tecendo uma tarrafa.

Após darem boa noite e tratá-lo de tio, perguntaram se ele poderia deixar que eles passassem ali o resto de noite. O velho respondeu que sim.

Perguntaram se ele tinha umas redes sobrando. O tio disse que só tinha uma rede além da sua, mas não tinha lençol.

Meu tio e seu primo aceitaram a situação e decidiram que iriam ocupar a mesma rede e que ficariam de costas um para o outro, enfrentando, descobertos, o frio da madrugada.

Ataram a rede e se deitaram para dormir de costas como haviam combinado.

Meia hora depois meu tio acordou e seu primo estava agarrado nele, tendo então dado um empurrão em seu primo e dito que não era mulher.

Voltaram a ficar de costas e meia hora depois foi meu tio quem foi acordado por seu primo, pois agora quem estava agarrado era meu tio, retornando os dois a ficarem de costas.

Uns vinte minutos depois, meu tio acordou e ainda de olhos fechados percebeu que ambos estavam agarrados pelo frio que fazia. Abriu apenas um dos olhos, sendo imitado por seu primo. E assim permaneceram, desgarrando-se quando surgiram os primeiros raios de sol.

Depois eles contavam esse episódio e os familiares riam.

Anos depois, lendo a Bíblia, eu encontrei uma passagem no livro de Eclesiastes, que significa Pregador, escrito pelo rei sábio Salomão em sua velhice, que trata do assunto deste texto – ⁹ “Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho; ¹⁰ Porque se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante. ¹¹ Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só, como se aquentará”?  (Eclesiastes 4:9-11)

Conheci ainda menino o tio Zacarias e ele tinha a mesma profissão de meu tio Wenceslau, alfaiate.

Lá pelas décadas de 80 e 90, já sendo casado, quando eu visitava meu tio, em sua oficina, lá em Castanhal, vez ou outra lá estava Zacarias que passou a morar em Santa Maria do Pará e, quando vinha fazer compras em Castanhal, visitava seu amado primo.

Eu lembrava da história e ria com meus botões, sem tocar no assunto.

Por: Roberto Pimentel (pimentelrm@yahoo.com.br)

*O autor é advogado, delegado de Polícia aposentado, especializado em meio ambiente, radialista e escritor. Escreve toda quinta-feira neste espaço de A PROVÍNCIA DO PARÁ

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