Numa de minhas viagens vindo do interior, atravessando a baía do Guajará, retornando a Belém, capital paraense, em uma balsa, a céu aberto, aos primeiros raios do sol, ao passar ilha dos Periquitos, vi uma revoada dos tais pássaros. Um dos passageiros comentou que naquele momento eles estavam saindo para o lugar onde passariam o dia. Uma parte passa o dia nas árvores da praça de Nazaré, em Belém, e retornam a sua ilha no final da tarde. Outro passageiro chamou atenção para o fato de que eles voavam em grupos de dois, três, quatro, cinco. Mas, epa, um dos periquitos estava só, passando eu a observá-lo atentamente. Lembrei-me de uma crônica de Cecília Meireles intitulada “História de bem-te-vis”, sobre um bem-te-vi que cantava entrecortando seu canto, o que levou a escritora a fazer várias conjecturas, de que seria um pássaro aprendendo a cantar etc e tal, se surpreendendo, quando fazia ilações, ao ouvir meninos conversando e um deles chamar a atenção dos outros sobre aquele bem-te-vi que era gago.
Bem, voltando aos periquitos, não havia ali meninos para um deles observar o que se passava com aquele periquito solitário. Então, restou-me a fazer como a escritora, conjecturar o que se passava com aquele periquito separado dos demais. Às vezes os animais são parecidos com os humanos ou são estes parecidos com aqueles? Só sei que, conforme a Bíblia, os animais foram criados primeiro e isso me leva a pensar que o homem primitivo já devia imitar o comportamento de alguns irracionais. Estaria aquele periquito de mau humor? Seria ele um narcisista não querendo se juntar aos demais que achava feios? Teria brigado com seu par ou seus pares? Seria um dissidente radical? Ou teria sido penalizado a ficar naquele dia desacompanhado? Notei que aqui e acolá um espécime da mesma raça se aproximava, mas ele rejeitava a companhia de seu semelhante, mudando seu percurso, voando mais baixo ou mais alto.
O certo é que ele não estava querendo se entrosar com ninguém. O que cheguei a ver foi quando o periquito solitário, depois de vários assédios voltou à ilha e pousou em uma árvore. A balsa foi se distanciando e aquele protagonista foi se transformando em um ponto, diminuindo com a distância, tendo eu lamentado não poder mais ver o que aconteceu dali em diante.
Texto: Roberto Pimentel*Advogado, delegado de Polícia aposentado, radialista e escritor
Imagem: Portal da Amazônia/Divulgação