domingo, fevereiro 23, 2025
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Fome de dólares: empresas brasileiras mais que dobram captação no exterior neste início de ano

A Raízen, que atua na produção de etanol e açúcar e na distribuição de combustíveis, foi a que captou mais recursos: US$ 1,75 bilhão através de duas ofertas

As empresas brasileiras já captaram US$ 6,77 bilhões por meio de emissão de títulos no exterior entre o início de janeiro e ontem, segundo dados da empresa de análise Bond Radar, do Itaú e da Bloomberg. É quase a metade dos US$ 15,6 bilhões de tudo o que foi levantado em 2024. O número representa um salto de 151% na comparação com o mesmo período do ano passado, quando a captação das companhias nacionais somou US$ 2,69 bilhões.

Analistas afirmam que diversos fatores contribuem para a tomada de recursos em dólar lá fora. O primeiro deles é o perfil das grandes empresas brasileiras, consideradas sólidas e com receitas em moeda americana.

Além disso, os prazos para pagamento das emissões de dívida feitas no exterior são maiores do que no Brasil e haveria agora uma maior tendência do investidor estrangeiro em tomar risco em países emergentes.

Juros mais baixos nos Estados Unidos também estimulam as captações. No início do ano passado, o cenário para os juros era o inverso, com a taxa americana no maior patamar em duas décadas, o que encarecia a tomada de empréstimo lá fora.

Das empresas brasileiras, a Raízen, que atua na produção de etanol e açúcar e na distribuição de combustíveis, foi a que captou mais recursos: US$ 1,75 bilhão através de duas ofertas fechadas ontem. A empresa já havia acessado o mercado internacional no ano passado, captando US$ 2,47 bilhões.

Também ontem o Itaú anunciou a captação de US$ 1 bilhão. O Bradesco acessou o mercado internacional para fortalecer o caixa, e levantou US$ 743,7 milhões — a última operação do tipo tinha sido feita pelo banco em 2022.

A JBS captou US$ 1,736 bilhão neste início de ano, e a Embraer, US$ 648 milhões. A Usiminas também acessou o mercado internacional e captou US$ 493,3 milhões, enquanto a Ambipar obteve US$ 400 milhões.

Fontes de mercado avaliam que Itaú e Raízen estruturam novas emissões de títulos de dívidas no exterior para os próximos meses.

Parte do sucesso das emissões vem da crença de que as empresas brasileiras podem render mais para o investidor estrangeiro que busca aplicar no mercado de títulos privados, avalia Miguel Diaz, gerente de emissões externas do Banco Santander.

Ele lembra que o volume levantado no mercado de emissões nacionais e internacionais do Brasil é pequeno em comparação com o americano. Isso acaba deslocando os bonds (títulos de dívida) de empresas brasileiras para um grupo de investimentos de nicho:

— Eles compram bonds de empresas do Brasil porque têm uma taxa de retorno muito melhor.

Taxas maiores

Não são apenas as empresas que estão enxergando oportunidades no exterior. Na terça-feira, o Tesouro captou US$ 2,47 bilhões em bonds a uma taxa de 6,625%, na primeira oferta pública de títulos no exterior desde o fim de junho do ano passado.

As taxas pagas pelas companhias brasileiras são maiores do que as de empresas americanas e europeias em seus títulos de dívida, explica Gustavo Siqueira, do Morgan Stanley no Brasil.

Dois fatores fundamentais para a escolha do investidor na hora de optar pelos títulos de empresas brasileiras são sua capacidade de geração de caixa e o prazo do pagamento, avalia Gabriela Joubert, do Banco Inter:

— O estrangeiro preza por empresas que tendem a ter operações mais estáveis e uma geração de caixa mais resiliente. A capacidade de pagar da empresa é um fator muito importante.

Gabriela destaca também diferenças de cultura:

— O investidor estrangeiro vê os prazos de uma maneira diferente daqui. Lá fora, o longo prazo é 30, 40 anos, enquanto aqui falamos em dez. Com a opção por emitir dívida lá fora, a empresa consegue mais prazo. E, com mais tempo para pagar, melhor.

Em comunicado ao mercado, Ambipar e JBS afirmaram que usarão os dólares da captação para refinanciar dívidas e usos corporativos.

A Embraer anunciou o pagamento de outros bonds com vencimentos mais curtos, alongando a dívida e se reposicionando “em termos de prêmio de risco, chegando a um percentual próximo do pago por seus grandes concorrentes globais”. Na Usiminas, a finalidade é a mesma: realizar a “rolagem” de títulos que venceriam em 2026.

Felipe Thut, diretor de Renda Fixa do Bradesco BBI, diz que a captação do banco em janeiro após um hiato de mais de dois anos é parte da estratégia de diversificar fontes de financiamento:

— É mais uma fonte de recursos para o banco acessar e é importante ter essa alternativa de captação — diz.

Para Thut, o momento também é positivo para as empresas que possuem receitas em reais, como a Ambipar. Segundo ele, muitas delas optam por captar recursos no exterior e trocar a exposição na moeda americana por uma dívida em reais.

A postura considerada até agora “branda” do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre tarifas também acalma os ânimos dos investidores, o que ajuda na liberação do apetite de risco para os países emergentes, avaliam os especialistas.

Dólar cai e Bolsa sobe

Em meio ao noticiário sobre as captações de dólares de empresas brasileiras no mercado internacional, a moeda americana fechou ontem em baixa, acompanhando uma tendência global de desvalorização após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, indicar ser possível um acordo comercial com a China.

—Os EUA tinham alcançado em 2020 um grande acordo comercial com a China e um novo pacto é possível. Entre Washington e Pequim há um pouco de concorrência, mas o relacionamento que tenho com o presidente Xi (Jinping) é, eu diria, excelente — disse Trump na quarta-feira à noite.

O dólar fechou com queda de 0,38%, a R$ 5,704 (27 moedas mais líquidas se valorizavam sobre a moeda americana ontem).

O Ibovespa subiu 0,23%, aos 127.601 pontos. As ações ordinárias da Vale subiram 3,68%, enquanto as do Banco do Brasil cederam 2,98%, refletindo a reação aos balanços da véspera.

Reprodução: O Globo

 Foto: Pixabay

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