domingo, dezembro 14, 2025
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LITERATURA – As magras que me desculpem!

Ai que saudades da minha mulher! Foi assim que ele viu alguém de seu local de trabalho se manifestar após um suspiro. Estava ele ainda em frente ao prédio onde trabalhavam para mais um dia de labuta e a mulher de seu colega acabara de arrancar com o carro após deixá-lo ali, tendo este franzido o cenho, torcido os lábios e deu de ombros sem dar o que entender. Será que fora uma citação apaixonada? O casal estava em nova lua-de-mel, ou aquela que lhe deixara há pouco era outra ou irmã da mulher ou coisa parecida? Mas, imediatamente ele concluiu que era a mulher daquele mesmo, pois já vira o casal algumas vezes acompanhado.

Mas, então se deu conta que a que deixara há pouco era mais bela, mais elegante, mais esguia, mais arrumada. E como a curiosidade aguçou, como forma de fazê-lo explicar-se, perguntou se aquela não era a sua mulher, a que havia se afastado há alguns segundos? O colega fez um meneio, olhou rápido para lugar indeterminado e respondeu que sim e que não. Era, mas não era. Era a sua mulher, com quem casara já fazia anos, mas no momento parece que se transformara em outra. Mas como? – perguntou, sem falar para não ser indiscreto. Seu trejeito pedia maiores explicações.

É o seguinte – prosseguiu o colega, querendo desabafar – há algumas semanas minha mulher apareceu lá em casa com uma receita para emagrecer. Dali em diante seu hábito alimentar mudou: sopas e saladas à base de vegetais, chás, pães sem fermento, leite light, além de toda parafernália para emagrecimento. E tome caminhada à noite e cintas elásticas para apertar o tórax.

O negócio começou a dar certo, perdendo ela logo de cara três quilos nas primeiras duas semanas, dois na seguinte, e mais um, mais um, mais dois, mais um e meio nas semanas seguintes, perdendo ao fim de três meses mais de dez por cento de seu peso total. As outras iniciativas na sua odisseia em torno do peso levaram-na a substituir as calças de manequim 42, para 40 e, pasme o colega, agora 38! É esse o atual manequim dela que você acabou de ver. Não viu – perguntou ele? Não, não percebi – respondeu, para demonstrar que não se detivera em olhar a bela mulher de seu colega. Pois é, você é a exceção, – continuou ele – pois quase todo mundo fica babando quando a minha mulher passa, e essa admiração deve mexer com sua vaidade, pois ela, durante o percurso de carro pela manhã, enquanto eu venho dirigindo, vem se produzindo, além dos minutos intermináveis que ela perde no quarto em frente ao toucador, para chegar ao trabalho toda produzida. É batom, blush, gloss, rímel, toques de perfume atrás das orelhas. Um dia desses, eu quase desmaiei de tanto perfume no carro, tendo eu que abrir e fechar os vidros.

As amigas e colegas dela adoram, telefonam, param e perguntam pela tal dieta, e as conversas rolam sobre essa transformação. Nos jantares, aniversários e em outros eventos ela passou a ir com roupas que realçam esse novo perfil. E eu vejo que não é mais a minha mulher. Não é mais a fofinha que eu tive durante todos esses anos. Não pode mais me acompanhar nos churrascos, nas pizzas, nos sorvetes e outras comidas gostosas, deixando só eu me empanturrar. E eu me sinto até inibido e desencorajado a fazer as brincadeirinhas íntimas que eu vivia fazendo, pois agora, sua fixação é seu corpo. Ao retornar para casa diz que fulano, beltrano, colegas de trabalho, alguém que ela atendeu durante o dia, se derramaram em elogios. Por isso é que lhe digo, que aquela que você acabou de ver é e não é a minha mulher.

Não sabia como iria aquilo acabar e por isso tinha saudades de sua antiga e verdadeira mulher. Aí ele entendeu o suspiro feito antes de dizer: ai que saudades da minha mulher! Depois desse papo cada um foi para seu setor de trabalho e durante o dia, umas três vezes, ele lembrou do desabafo do colega. E se colocou no lugar daquele colega. Como seria se sua mulher tomasse atitude semelhante? Em suas conversas de alcova quando ela aparece com uma camisola nova e lhe pergunta como está, responde que gosta mais dela como veio ao mundo. Não tem fetiches. Não se interessa por camisolas sensuais, calcinhas pretas e outras vestimentas íntimas, e diz que nada suplanta sua nudez. E os únicos ornamentos são seus cabelos, seus olhos, seus lábios sem batom. Nada lhe fascina mais do que qualquer indumentária. Dispensa perfumes franceses (talvez porque não foi acostumado) pois, gosta mesmo do cheiro natural. E quando ela sai do banho ele tem seu deslumbramento renovado. E ama suas formas naturais.

À noite daquele dia, ao chegar em casa, após abraçar e beijar as crianças que se antecipam à sua mulher, beijou-a ternamente. Mais tarde, no quarto, quando já se preparavam para deitar, ela, ao se olhar no espelho perguntou se não estava gorda, e que uma amiga lhe passara uma receita para emagrecer. Ele arregalou os olhos e perguntou brincando – onde está, onde está essa receita que eu quero destruir! Ela lhe olhou sem entender. E ele mudou rapidamente, deu um sorriso, abraçou-a por trás, levou-a até o espelho, beijou seu pescoço e sussurrou: não faça isso, eu gosto de você assim, só assim, minha fofinha! Ela fechou os olhos e ele piscou pra si mesmo.

25/09/2008

Por: Roberto Pimentel (pimentelrm@yahoo.com.br)

*O autor é advogado, delegado de Polícia aposentado, especializado em meio ambiente, radialista e escritor. Escreve toda quinta-feira neste espaço de A PROVÍNCIA DO PARÁ

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