O debate pós-COP30 escancarou uma contradição profunda que atravessa o Brasil e o mundo: enquanto discursos internacionais exaltam direitos humanos, direitos da natureza e transição ecológica, a prática política continua submetida a lobbies econômicos que insistem no velho modelo de destruição ambiental.
Mas, se Brasília, Belém, Nova York ou Dubai hesitam, a Amazônia profunda — aquela que raramente tem voz nos centros de decisão — já aponta o caminho que o país deveria seguir.
A comunidade Santo Ezequiel Moreno, no município de Portel, na Amazônia marajoara, é prova disso: a floresta oferece alternativas reais. E mais — essas alternativas não nascem em gabinetes ou cúpulas internacionais, mas do próprio território, da organização comunitária e do compromisso direto com a vida.
O fracasso político exposto pela COP30
A COP30 trouxe uma participação social inédita, com povos tradicionais, movimentos ambientais e organizações amazônicas colocando suas pautas no centro do debate. Mas, passada a euforia dos palcos, veio a frustração dos compromissos não assumidos:
- nada de eliminação total dos combustíveis fósseis;
- avanços tímidos na demarcação de territórios;
- e uma defesa vaga dos direitos da natureza, ainda distante de se tornar política pública.
A contradição é conhecida: o discurso é verde, mas a política segue cinza — capturada por grupos econômicos que lucram com a destruição da Amazônia.
Enquanto isso, Santo Ezequiel Moreno faz o que os governos não fazem
No Marajó, longe dos salões da diplomacia global, os moradores de Santo Ezequiel Moreno constroem um modelo de desenvolvimento que deveria inspirar o país.
A comunidade pratica manejo sustentável do açaí nativo, produz óleos essenciais de forma responsável, organiza turismo comunitário e movimenta uma microeconomia florestal que gera renda, dignidade e permanência no território.
Ou seja: aquilo que governos prometem e corporações simulam, a comunidade realiza.
Essa força local deixa claro algo que a política nacional ainda não compreendeu:
direitos humanos e direitos da natureza não são conceitos abstratos — são práticas concretas que dependem de autonomia comunitária e proteção territorial.
A Amazônia marajoara pensa à frente do Estado brasileiro
Quando startups de impacto, como a ForestiFi, conectam cooperativas amazônicas a mercados sustentáveis por meio de blockchain, não se trata apenas de inovação tecnológica — é soberania econômica da floresta construída no presente.
Quando o turismo comunitário protege a cultura ribeirinha e a biodiversidade simultaneamente, não é simples experiência turística — é política ambiental efetiva.
Enquanto políticas nacionais ainda tratam a Amazônia como periferia, Portel e sua comunidade Santo Ezequiel Moreno já operam a economia regenerativa que o país apenas diz almejar.
O que falta não é solução — é decisão política
A comunidade mostra que a Amazônia não precisa ser destruída para gerar riqueza. O que falta ao Brasil é coragem de admitir que:
- é preciso enfrentar o poder do desmatamento;
- é preciso financiar de verdade a bioeconomia de base comunitária;
- é preciso reconhecer territorialmente povos ribeirinhos e tradicionais;
- é preciso levar ciência, tecnologia e infraestrutura para onde a floresta vive — e não apenas para onde o mercado exige.
A Amazônia marajoara já entendeu isso. Falta o Estado brasileiro entender.
A lição política de Santo Ezequiel Moreno
O exemplo da comunidade é um recado direto aos formuladores de políticas públicas:
não existe transição ecológica sem gente;
não existe justiça ambiental sem território;
não existe novo desenvolvimento sem romper privilégios antigos.
Se o Brasil quiser realmente liderar a agenda ambiental global, não basta discursar na COP.
É preciso olhar para Santo Ezequiel Moreno, para Portel, para o Marajó — para a Amazônia que funciona, que cria soluções, que vive da floresta sem destruí-la.
A política nacional precisa parar de falar sobre a Amazônia e começar a falar com a Amazônia real.
Porque o futuro que o mundo discute nas cúpulas internacionais já começou nas comunidades ribeirinhas do Marajó.
E cabe ao Estado brasileiro decidir se vai liderar esse futuro — ou continuar sendo arrastado por ele.
Por Idinor Ferreira — Secretário de Cultura e Turismo de Portel








