quinta-feira, outubro 16, 2025
Desde 1876

LITERATURA – Nem todos são gratos

A gratidão é uma grandiosa virtude, uma forma espontânea de agradecimento de poucos seres humanos. É, portanto, um privilégio ser grato, valorizar e reconhecer o favor, a graça, o benefício recebido. Tenho ouvido há anos que a gratidão é como um fardo pesado que muitos se livram dele na primeira esquina. Não sei quem é seu autor, mas guarda relação, pelo menos quanto a ser um fardo, com o pensamento de Caio Tacitus, senador romano, de que “os homens prontificam-se mais a retribuir uma ofensa do que um favor, porque a gratidão é um fardo e a vingança um prazer”.

Até alguns animais, ditos irracionais, dão sinal desse reconhecimento, às vezes pagando com a própria vida. O ato de gratidão, que deveria ser a regra, é a exceção. Meu pai, dentro de sua humildade, foi uma das pessoas mais gratas que conheci neste mundo. Se alguém lhe fizesse um favor o tornaria grato. Várias ações de meu pai serviram de exemplo para mim e minhas irmãs. Uma dessas, conforme ele contou e ficou gravado em minhas melhores memórias, se deu logo após o final da Segunda Guerra.

Ele dera baixa (licenciado) do Exército e estava desempregado. E num dia que saíra para procurar emprego, caminhando na Avenida Pedro Miranda, a mais transitada por pedestres e veículos, no bairro da Pedreira, viu passar um caminhão de uma empresa de aviação levando em sua carroceria alguns trabalhadores. O carro parou atrás de outros veículos, foi quando papai reconheceu entre os trabalhadores um ex-colega de caserna, tendo então perguntado em voz alta: “ei, ei Milionze”, referindo-se a seu numero 1011 do quartel, “tem vaga?”, sondando se havia emprego naquela empresa. O ex-colega, provavelmente para não chamar atenção e não gritar levantou um dos polegares para cima.

Naquele mesmo dia meu pai foi até o prédio da empresa Panair, próxima ao aeroporto de Val-de-Cans e, depois de preencher uma ficha, no dia seguinte, estava empregado. Como trabalhavam em turnos e locais diferentes da empresa, meu pai passou o primeiro mês de trabalho sem tornar a rever seu colega benfeitor. E tão logo saiu seu primeiro salário, num sábado de folga, sabendo que aquele estava também de folga, foi até sua casa, quando ali lhe entregou de presente um chapéu Panamá (muito usado à época) e uma embalem de doces comprados na então Fábrica Palmeira, para sua mulher e filhos. E mais: presentou o casal com uma galinha caipira do quintal de sua mãe, para ser saboreada no almoço dominical (era comum esse tipo de oferenda naquele tempo). O visitado ficou sem entender o motivo daqueles mimos? Achou estranho porque não estava aniversariando. Papai explicou que estava agradecendo a informação pelo gesto do polegar que o levara a procurar a mesma empresa e ser admitido.

Seu colega soube então que papai voltara a ser seu colega, agora de trabalho, e agradeceu. Existem muitas outras situações de gratidão até hoje relembradas nas conversas de família e passadas aos netos.

Quando eu era jovem, indignava-me diante da ingratidão das pessoas. Hoje aceito como natural, até quando alguns, além da ingratidão, se voltam de forma infamante ao benfeitor. Vendo alguém indignado com a ingratidão do semelhante, eu contemporizo dizendo que apenas uma décima parte da humanidade é grata. Minha afirmação se baseia no texto bíblico. O livro do evangelho de Lucas traz uma situação que retrata a gratidão e a ingratidão: “E, entrando numa certa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez homens leprosos, os quais pararam de longe; E levantaram a voz, dizendo: Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós. E ele, vendo-os, disse-lhes: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes. E aconteceu que, indo eles, ficaram limpos. E um deles, vendo que estava são, voltou glorificando a Deus em alta voz; E caiu aos seus pés, com o rosto em terra, dando-lhe graças; e este era samaritano. E, respondendo Jesus, disse: Não foram dez os limpos? E onde estão os nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?” Ora, se para JESUS, o santíssimo filho de DEUS, apenas um de dez leprosos (lepra era uma das piores doenças da antiguidade, incurável) voltou para agradecer, não queiramos nós pecadores, que todos sejam gratos aos nossos favores e sacrifícios. O que fazemos a alguém quem nos recompensará é DEUS. Disto eu estou certo, pois tenho sido recompensado a cada manhã, como hoje, com a vida e todas as bênçãos que recebo junto com meus familiares.

Por: Roberto Pimentel

*O autor é advogado, delegado de Polícia aposentado, especializado em meio ambiente, radialista e escritor. Escreve toda quinta-feira neste espaço de A PROVÍNCIA DO PARÁ

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