domingo, março 9, 2025
Desde 1876

Senado analisa proposta para o Brasil voltar a ter um rei; saiba como é

Comissão presidida por Damares Alves vai apreciar pedido de consulta popular para decidir retorno da monarquia; último foi há 32 anos e teve vitória acachapante republicana

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado vai analisar uma sugestão da sociedade civil endossada por 29 mil assinaturas para realizar um novo plebiscito e decidir se o Brasil vai voltar ao regime monárquico parlamentarista. A ideia é que a consulta pública seja realizada junto às eleições de 2026. Caso a maioria dos brasileiros opte pelo sistema, o País pode voltar a ter um rei pela primeira vez desde 1889, quando d.Pedro II (1825-1891) foi deposto.

A proposta, de autoria de um paulista identificado como Ilgner A., foi encaminhada para a CDH em setembro do ano passado, mas está engavetada desde então. A comissão é responsável por analisar propostas da sociedade civil que atingem a marca de 20 mil assinaturas.

A nova presidente da CDH, senadora Damares Alves (Republicanos-DF), afirmou ao Estadão que irá colocar para análise todas as propostas da sociedade civil que chegarem ao colegiado e que com a ideia do plebiscito sobre monarquia terá o mesmo tratamento.

“Uma iniciativa vinda da sociedade não pode ficar na gaveta. Nem que seja um ‘não’ bonito, tem que ser apreciado. Não é o presidente de uma comissão que decide o que deve ser discutido, é o plenário. Vamos pôr o assunto para debater. Por que não?”, afirmou Damares ao Estadão.

Em outubro do ano passado, a proposta foi entregue para a relatoria do senador Romário Faria (PL-RJ). Um mês depois, em novembro, Romário devolveu o texto, que aguarda a designação de um novo parlamentar que vai emitir um parecer.

No documento encaminhado para a comissão presidida por Damares, o autor explica apenas que o sistema de governo presidencialista acabaria e que os brasileiros elegeriam um partido e um primeiro-ministro, sendo que o rei representaria uma “unidade”. O autor da proposta também afirma que a monarquia parlamentarista daria “mais autonomia para governar” e que a República “se mostrou não efetiva”.

O texto que está na CDH também não estabelece quem seria o monarca brasileiro caso a maioria dos eleitores opte pelo sistema de governo.

A Casa Imperial Brasileira, que reúne os descendentes de d.Pedro II, é rachada e possui dois grupos. No ramo de Vassouras, o pretendente ao extinto trono brasileiro o advogado dom Bertrand de Órleans e Bragança, trineto do último imperador do País. No ramo de Petrópolis, o líder é o engenheiro Pedro Carlos de Órleans e Bragança, bisneto do monarca.

Ao Estadão, Bertrand afirmou que a ideia de um plebiscito em 2026 é prematura e que o regime monárquico “não teria tempo” para garantir “igualdade de condições entre os interessados e uma ampla campanha de esclarecimento da população”.

“Por enquanto parece-me prematuro um trabalho junto aos senhores deputados e senadores a propósito da sugestão de um novo plebiscito. Tudo depende da possibilidade de uma campanha efetiva de esclarecimento da população sobre a alternativa Monarquia x República”, afirmou.

Estadão procurou dom Pedro Carlos, mas não obteve retorno.

Se a proposta de Ilgner for aprovada pela CDH, ela será encaminhada para o plenário do Senado. É necessária também a aprovação da maioria da Câmara, além de uma sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Durante o período de apreciação pelo Congresso, os parlamentares devem estabelecer regras como o detalhamento do sistema de governo monárquico e o funcionamento do plebiscito.

Caso o plebiscito ocorra, não será a primeira vez que os brasileiros serão chamados para uma consulta popular sobre qual será o sistema de governo do País. Em 21 de abril de 1993, os eleitores optaram pelo regime republicano e presidencialista, impondo uma derrota aos monarquistas.

Naquele dia, os brasileiros escolheram entre duas formas de governo (monarquia ou república) e dois sistemas de governo (presidencialista ou parlamentarista). Com o término da consulta, 43,88 milhões escolheram o sistema republicano e 6,79 milhões optaram pelo regime monárquico. Houve mais votos em branco (6,81 milhões) e nulos (8,74 milhões) do que favoráveis ao retorno de um rei.

Apesar da diferença de votos, o movimento monarquista nunca engoliu o resultado. Passados 32 anos, os defensores do sistema alegam que foram prejudicados pela propaganda midiática republicana, pela falta de instrução dos eleitores sobre a monarquia e a distância de 104 anos entre a Proclamação da República e a data da consulta. Até mesmo a data escolhida, o feriado de Tiradentes – que relembra a morte de um mártir dos ideais republicanos – é citado como um fator que teria influenciado nos números finais.

De acordo com Tiago Valenciano, cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a volta da monarquia significaria a volta de um “comodismo” ao entregar o poder em um líder hereditário e não representaria uma maior eficiência política. O especialista diz ainda que o debate sobre a forma de governo brasileiro deveria ter sido encerrado no plebiscito de 1993.

“O plebiscito já era para ter colocado um ponto final nessa história de monarquia. É um debate que tem quase 40 anos, e que já está superado na história política brasileira. A monarquia é uma possibilidade mais voltada para o comodismo. É muito mais fácil você entregar o comando do País para um grupo pequeno do que ficar renovando a cada dois anos”, afirmou Valenciano.

Ao Estadão, Bertrand disse que o plebiscito de 1993 não pôs uma pá de cal na discussão sobre o retorno do rei e que o regime, desde então, “passou a ser visto a partir como uma alternativa para o caos político-institucional que seguiu existindo”. “Nunca a discussão sobre a ideia monárquica foi tão ampla como hoje em dia, haja vista o grande número de blogs, canais, páginas que se ocupam do tema”, completou.

Desde o início da colonização do Brasil no século 16 até a Independência em 1822, o Brasil foi governado pela monarquia portuguesa. Da separação da metrópole portuguesa até 1889, o País teve dois imperadores: d.Pedro I e d.Pedro II. O último foi deposto por militares, dando início a era republicana que se estende até os dias atuais. Como mostrou o Estadão na série especial de 150 anos do veículoo jornal foi um dos principais patrocinadores do republicanismo.

Retorno da monarquia é ‘retrocesso’, diz líder da Frente Presidencialista de 1993

Durante o plebiscito de 1993, um dos líderes da Frente Presidencialista – que reunia partidos que defendiam o atual sistema de governo como PTPDT MDB – era o então senador Eduardo Suplicy (PT), que hoje é deputado estadual por São Paulo.

No período que antecedeu a realização do plebiscito, Suplicy fez um discurso no Senado que ficou marcado na história da consulta popular. Mesmo republicano e presidencialista, ele disse que os monarquistas, caso quisessem ter chances de vitória, deveriam abandonar o “sangue azul”, ou seja, os descendentes de d.Pedro II, e colocar como pretendente ao trono uma liderança indígena ou quilombola.

“Deveríamos pensar em outra família, não nos descendentes da família real portuguesa. Quem sabe uma família daqueles que vieram forçados, como escravos, da África? Ou deveríamos pensar num rei descendente de Zumbi dos Palmares? Mais legítimo ainda seria escolher um rei descendente de um dos caciques das diversas tribos indígenas que aqui habitam há muito mais tempo do que os portugueses que colonizaram o Brasil”, afirmou Suplicy na tribuna do Senado.

Ao Estadão, Suplicy disse que o republicanismo é mais democrático, pois permite que eleitores influenciem nas decisões políticas. Ele disse ainda Cconsiderou que um retorno para a monarquia seria um “retrocesso”.

“Nós consideramos o republicanismo o sistema mais democrático, porque permite a participação da população em influenciar, principalmente nas eleições, nas decisões dos seus representantes”, afirmou.

Deputado ‘príncipe’ aposta que ‘falência institucional’ vai trazer monarquia de volta

Entre os 513 deputados, há um descendente de d.Pedro II. Em 2019, Luiz Phellipe de Órleans e Bragança (PL-SP) se tornou o primeiro membro da família real a ser eleito a um cargo político desde o fim da monarquia. Ao Estadão, ele disse apoiar o retorno da Corte, mas afirma que é contrário à realização de um plebiscito em 2026, pois acredita que o cenário atual garantiria uma outra vitória republicana.

De acordo com Luiz Phellipe, a monarquia voltaria por meio do voto se houvesse um apoio institucional através dos partidos, da opinião pública e de uma ampla divulgação de como funciona o regime e da experiência que o País teve entre 1822 e 1889. O fator principal para um retorno da Corte seria o agravamento da “falência institucional” que, segundo ele, atinge o Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).

“Tem que ter apoio institucional, da opinião pública, tem que ter uma visão clara de como será a organização dessa monarquia. Ainda falta muita coisa para ser divulgada. Mas, a melhor propaganda da monarquia é a própria república. Nunca vai dar certo, e o povo já está entendendo isso”, afirmou Luiz Phellipe.

O deputado do PL, que é tetraneto de d. Pedro II, é autor de uma minuta de Constituição que vai ser apresentada aos apoiadores da proposta que está sendo discutida no Senado. Segundo o texto, chamado de “Constituição Libertadora”, haveria o retorno do “poder Moderador”, onde o rei não atuaria politicamente, mas poderia intervir caso fosse provocado.

“Não é um poder de fato, é um poder passivo. Quando o Congresso pedir, quando outras forças ou iniciativas populares pedirem, o poder Moderador do chefe de Estado vai agir. Caso o contrário, ele não vai fazer nada”, disse Luiz Phellipe, que deu uma das 29 mil assinaturas na proposta de Ilgner.

O termo “poder Moderador” voltou à tona em abril do ano passado quando o STF, por 11 votos a zero, derrubou uma interpretação da Constituição de 1988 que era utilizada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para sugerir uma atuação das Forças Armadas sobre os Três Poderes da República em crises institucionais.

Questionado sobre a sugestão dada por Suplicy em 1993, em dar o trono para uma liderança indígena ou para um quilombola em caso de vitória da monarquia em plebiscito, Luiz Phellipe disse que os nativos não possuem a “tradição da monarquia cristã” que, segundo ele, está presente nos descendentes de d.Pedro II.

“Não têm legitimidade, as tribos mal têm registro, não tinham a língua, não tinham o alfabeto, não tinham a matemática, não tinham sequer a roda. Não sabiam fazer agricultura, não tinham saneamento e nem senso de propriedade de terra, território e fronteira”, afirmou o deputado federal.

Congresso discute outra mudança do sistema de governo

No dia 6 de fevereiro deste ano, foi protocolada uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que busca mudar o sistema de governo para uma república semipresidencialista, dando mais poder para o Congresso.

A proposta, encabeçada pelo deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), e tira do presidente a atribuição de governar e o dá apenas a função de chefe de Estado, representando o País em cerimônias oficiais e viagens internacionais. Caberia a ele também escolher um primeiro-ministro, entre os membros do Congresso, que seria responsável por conduzir um plano de governo.

Outro ponto da proposta que aumenta o poder do Congresso está na possibilidade de se derrubar o primeiro-ministro. A partir de uma maioria absoluta – isto é, 257 deputados e 41 senadores – seria possível remover o nome indicado pelo Planalto a qualquer momento.

O projeto deve ser analisado pelo Congresso ao longo do ano de 2025. Conforme apurou o Estadão, uma aprovação pela Câmara, onde o texto está hoje, pode acontecer no primeiro semestre a depender do ambiente político da Casa.

Reprodução: Estadão

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