A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não pode ser bloqueado para o pagamento de créditos relacionados a honorários advocatícios, sejam contratuais ou sucumbenciais, em razão da impenhorabilidade absoluta estabelecida pelo artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.036/1990.
No entendimento do colegiado, os honorários advocatícios, embora reconhecidos como créditos de natureza alimentar, não têm o mesmo grau de urgência e essencialidade que os créditos alimentícios tradicionais, o que justifica o tratamento diferenciado.
O caso teve origem em cumprimento de sentença requerido por uma advogada que cobrava de ex-cliente o pagamento de cerca de R$ 50 mil, referente a honorários contratuais. Após o pedido de desbloqueio integral dos valores penhorados para pagamento da dívida, o juízo de primeiro grau limitou a constrição a 30% dos vencimentos do executado e determinou o bloqueio de eventual saldo disponível em conta do FGTS, até o limite do débito.
A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que endossou a validade das medidas com base na natureza alimentar dos honorários advocatícios.
No recurso ao STJ, o executado pediu que fosse reconhecida a impenhorabilidade dos salários e da conta de FGTS. Em relação ao fundo, alegou, entre outros pontos, que a Lei nº 8.036/1990 reconhece a sua impenhorabilidade absoluta.
O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso especial, explicou que a jurisprudência da Corte estabelece uma distinção entre prestações alimentares e verbas de natureza alimentar. Segundo o magistrado, isso ocorre para que o ordenamento jurídico possa adotar uma ordem de relevância de cada bem, com as prestações alimentícias ocupando o topo dessa escala.
O entendimento consolidado, prosseguiu, é de que o FGTS pode ser alvo de restrição em situações que envolvam a própria subsistência do alimentando, nas quais prevalecem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito à vida.
Desse modo, de acordo com o ministro, a penhora do FGTS é permitida para garantir o pagamento de prestações alimentícias, mas essa mesma medida não pode ser aplicada em relação à dívida de honorários advocatícios, que são considerados créditos de natureza alimentar.
Antonio Carlos Ferreira lembrou que o FGTS foi criado com a finalidade de proteger o trabalhador em situações de vulnerabilidade, oferecendo segurança financeira em momentos críticos como o desemprego involuntário, a aposentadoria e a ocorrência de doenças graves.
Dessa forma, o relator apontou que permitir a penhora do FGTS para o pagamento de dívida de honorários advocatícios comprometeria a função protetiva desse fundo. “Penhorá-lo desvirtuaria seu propósito original, colocando o trabalhador em risco de desamparo financeiro em eventual circunstância de vulnerabilidade social”, disse.
“Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para afastar o bloqueio do saldo da conta de FGTS do executado e ordenar o retorno dos autos ao tribunal de origem, a fim de que avalie se, após a penhora de 30% dos vencimentos líquidos, o valor restante é suficiente para garantir uma subsistência digna para o devedor e sua família”, concluiu o ministro (REsp 1913811).
Fonte: Valor Econômico/Imagem: Agência Brasil