sexta-feira, dezembro 12, 2025
Desde 1876

Como a Itália superou o escândalo do vinho com metanol e revolucionou o mercado

Em 1986, a vinicultura italiana sofreu um dos maiores escândalos da sua história: centenas de pessoas foram hospitalizadas e mais de 20 morreram após consumir vinhos adulterados com metanol, uma substância altamente tóxica. O caso abalou não só a confiança dos consumidores, mas toda a reputação internacional do vinho italiano.

Naquele ano, a Itália era um dos maiores produtores mundiais de vinho, com produção anual superior a 70 milhões de hectolitros. Porém, estoques excessivos e intensa concorrência interna pressionavam os preços. Pequenos produtores e comerciantes, especialmente no norte do país, recorreram à adulteração para aumentar o teor alcoólico sem elevar os custos.

 “Muitos produtores não sabiam trabalhar o vinho corretamente e decidiram adicionar metanol para tornar seus produtos mais competitivos”, explica Milena Lambri, pesquisadora da Universidade Católica do Sagrado Coração.

Os primeiros casos de envenenamento surgiram em março de 1986, na província de Asti, no Piemonte. Duas pessoas morreram imediatamente, e centenas precisaram de atendimento hospitalar. Em poucos dias, 25 milhões de litros de vinho adulterado foram apreendidos pelo Ministério da Saúde italiano, com garrafas contendo até 20 vezes o limite permitido de metanol.

Investigações revelaram uma rede complexa: duas empresas do Piemonte eram os centros da adulteração, mas comerciantes intermediários compravam vinho a granel, adulteravam e revendiam sob rótulos genéricos. O escândalo chegou a outros países, como Suíça, Alemanha, França e Bélgica, e exportações italianas foram temporariamente suspensas.

Mais de 60 empresas foram investigadas e mais de 40 pessoas acusadas, com processos que se estenderam por anos  o julgamento principal só terminou em 1993. Apesar das condenações, muitas indenizações às vítimas nunca foram pagas, já que os réus não tinham condições financeiras de arcar com os valores.

Uma crise que virou oportunidade

O escândalo provocou um impacto devastador: perdas de 1 trilhão de liras, queda de 20% no valor do setor, exportações caindo 40% e vendas internas despencando 70%. Mesmo os produtores de vinhos finos, não envolvidos na fraude, sofreram com a desconfiança dos consumidores.

Mas a crise também marcou o início de uma revolução na vinicultura italiana. Produtores passaram a priorizar qualidade em vez de quantidade. Desde o cultivo das uvas até o manejo da vinha, passando pela fertilização e controle climático, a produção foi completamente reformulada.

 “O escândalo talvez tenha sido a oportunidade mais importante para o mercado de vinhos italiano. Os produtores começaram a investir em pesquisa, conhecimento e rigor técnico”, diz Milena Lambri.

A modernização também envolveu mudanças institucionais. A lei de 1992 estabeleceu regras rígidas para denominações de origem, controles laboratoriais e certificações de segurança, garantindo rastreabilidade completa de toda a cadeia produtiva.

 “Hoje, a Itália tem provavelmente a regulamentação de vinhos mais rigorosa do mundo”, afirma Lambri.

O resultado: vinhos mais finos, maior confiança do consumidor e um mercado que, mesmo produzindo menos que nos anos 80, disputa com a França o título de maior produtor mundial, com 44 milhões de hectolitros em 2024. O consumo per capita na Itália chega a 42 litros por ano, enquanto no Brasil, em comparação, é de apenas 2,1 litros.

Lições para o Brasil

O Brasil enfrenta atualmente um cenário semelhante, com intoxicações por metanol em bebidas destiladas como cachaça e whisky. Até o momento, foram confirmados 41 casos e 8 mortes, com investigações apontando para uso clandestino da substância.

Especialistas afirmam que o país pode aprender com a experiência italiana. Gaetano Cataldo, sommelier italiano, destaca a importância de sistemas rígidos de rastreabilidade e de consumidores bem informados.

“Ensinar a beber com responsabilidade e manter fiscalização rigorosa é essencial. Apenas alguns criminosos não podem comprometer toda a reputação de um país”, alerta Cataldo.

Para Lambri, o caminho está na atenção dos produtores à qualidade e à interação com consumidores mais informados, especialmente em um mundo conectado pela internet.

O escândalo do vinho na Itália mostrou que crises podem ser oportunidades de transformação. Com regras claras, investimento em qualidade e educação do consumidor, até uma tragédia histórica pode se tornar o ponto de partida para um mercado mais seguro, confiável e valorizado.

Por: Thays Garcia/ A Província do Pará

Com informações Portal BBC

Imagem: Divulgação

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