sexta-feira, fevereiro 7, 2025
Desde 1876

Literatura – As providenciais formigas

Podem umas poucas formigas salvar uma vida humana? Parece absurdo, mas é plenamente possível. Há muito não reclamo dos reveses da vida. Não porque seja conformista inato ou porque me obriguei ou sou obrigado a isto por imposição de alguém. Não. Além da confiança em Deus, na sua infinita misericórdia, bondade, poder e tudo mais, minha conformação com os desapontamentos, com as desilusões, com os prejuízos de ordem material ou moral, com as decepções, se fortaleceram em fatos passados durante o curso da minha vida.

Venho vivenciando e aprendendo lições. Algumas inesquecíveis ocorridas da infância à juventude e desta aos dias atuais. Uma delas eu lembro até a data. Foi há mais de 50 anos, na noite de 31 de dezembro de 1971. Na expectativa daquele réveillon, no início da noite aprontei-me para sair. Meus pais e minhas irmãs haviam viajado para o interior e eu ficara só. Morávamos num já antigo edifício situado no bairro de São Brás, no início da atual Avenida Governador José Malcher e, por volta das 19 horas, após atravessar a movimentadíssima avenida Almirante Barroso cheguei ao ponto de ônibus localizado próximo a confluência com a avenida Ceará, onde havia um grande relógio no alto de uma coluna. Naquele local era e ainda é grande o fluxo de passageiros de ônibus das mais variadas linhas que fazem parada numa extensão de mais de 50 metros.

Eu chegara ali com destino ao bairro da Marambaia onde incialmente moramos quando viemos do interior e se concentrava a maioria de meus colegas e amigos. Havia poucos minutos que eu estava naquela parada de ônibus, em pé no passeio público, quando senti literalmente um formigamento em um dos tornozelos, constatando em seguida que eu ficara próximo a uma passagem de formigas, tendo algumas delas subido pelos meus sapatos.

Meu impulso foi sair de onde estava batendo forte com os pés no solo para livrar-me dos insetos que estivessem nas pernas da calça e nos sapatos, enquanto eu batia com as mãos espalmadas sobre os tornozelos. E, concomitantemente, desloquei-me lateralmente para a esquerda. E nesse deslocamento afastei-me aproximadamente vinte metros de onde inicialmente me postara. E não havia ainda passado nem meio minuto quando vi uma Kombi que trafegava no sentido do bairro do Marco chocar-se lateralmente com outro veículo mais pesado trafegando no mesmo sentido.

O impacto fez a Kombi descontrolar, capotando espetacular e lateralmente, passando exatamente no ponto onde eu estivera segundos antes, indo parar junto ao muro de um terreno. Tomei um susto e respirei aliviado sussurrando um rápido agradecimento ao Altíssimo pelo livramento que acabara de ser presenteado naquele fim de ano, pois, era evidente que se eu ainda estivesse no local onde fora atacado pelas formigas, fatalmente eu teria sucumbido, provavelmente esmagado, ao impacto violento de veículo automotor pesando uma tonelada.

A seguir, ainda sob o impacto emocional, dirigi-me com outras pessoas que ali estavam, para ver o que acontecera com os ocupantes do veículo capotado, constatando que os dois, incluindo o motorista, saíram ilesos. Mais tarde eu faria as primeiras narrativas do fato, concluindo que se não fossem aquelas providenciais formigas eu não teria saído do lugar onde estivera inicialmente e, consequentemente, seria atingido por uma tonelada de ferro em velocidade. E não estaria contando a história como faço neste texto. Com o passar dos anos até os dias atuais quando eu perco algo, se algo não sai como eu gostaria que fosse ou quando acontece uma coisa desagradável logo eu imagino que aquilo aconteceu ou está acontecendo para evitar um mal maior. E assim tem sido até agora, graças a Ele.

Texto: Roberto Pimentel

*O autor é advogado, delegado de Polícia aposentado, radialista e escritor. Escreve toda quinta-feira neste espaço de A PROVÍNCIA DO PARÁ

Imagem do local do fato: Divulgação

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