O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça que determine o cumprimento imediato de sentença e acordo judicial que obrigam o Poder Público a garantir moradia digna aos indígenas Warao em Belém (PA). O requerimento, com pedido de apreciação urgente, foi enviado à 2a Vara Federal do Pará diante das notícias recentes de mortes de venezuelanos em abrigos públicos, associadas à precariedade das condições em que vivem.
Desde 2017, o MPF atua para assegurar o acolhimento humanitário de indígenas venezuelanos da etnia Warao refugiados na capital paraense. Após ação civil pública ajuizada para cobrar providências emergenciais, o órgão firmou um Termo de Concretização de Direitos com o Estado do Pará, o Município de Belém e a Fundação Papa João XXII (Funpapa) para implementação de medidas de abrigamento e assistência aos migrantes.
O acordo foi homologado pela Justiça em 2019. No entanto, passados mais de cinco anos desde a formalização do compromisso, há indícios concretos de que o termo não vem sendo cumprido. Como consequência da omissão estatal, centenas de indígenas estão há anos em situação de rua ou em abrigos precários, expostos a enfermidades evitáveis – como hanseníase, tuberculose, desnutrição e sepse –, que têm provocado a morte de bebês e adultos indígenas.
Inspeções realizadas pelo MPF nos abrigos de Belém, em conjunto com representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e da Organização Internacional para as Migrações (OIM), comprovaram o descaso das autoridades. Os relatórios apontam indígenas vivendo em locais improvisados, sem as mínimas condições de higiene e com relatos de violência estatal, como o uso de spray de pimenta e a expulsão de abrigos.
Em novembro de 2023, a Procuradoria Regional dos Direitos dos Cidadãos (PRDC) no Pará inspecionou o abrigo da Travessa Campos Sales e cobrou providências do município de Belém para a ampliação da oferta de matrículas para as crianças em idade escolar, bem como medidas sanitárias voltadas à prevenção de doenças. Até o momento, o município não adotou as providências necessárias.
RECURSOS
A manifestação do MPF, enviada à Justiça nesta semana, aponta ainda o descumprimento da sentença judicial que determinou à União o repasse de R$ 20 mil mensais para cada grupo de 50 imigrantes venezuelanos abrigados em Belém. Tanto a prefeitura quanto o estado do Pará alegam dificuldades financeiras para manutenção dos abrigos, uma vez que o repasse do recurso federal não é feito de forma regular. O local que servia como casa de triagem para os imigrantes indígenas recém-chegados à capital paraense foi fechado.
Para o procurador da República Sadi Flores Machado, além de violar os termos do acordo judicial, os entes públicos descumprem os deveres oriundos da Política Nacional para a População em Situação de Rua, conforme determinou o Supremo Tribunal Federal no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976. Isso porque a maior parte dos indígenas Warao migrantes chegou a Belém em situação de rua, sem abrigo e sem a garantia de quaisquer direitos fundamentais previstos pela Constituição.
O procurador destaca ainda que, antes de recorrer ao Poder Judiciário, o MPF realizou diversas tratativas para buscar uma solução consensual entre as partes. Como não obteve êxito nas negociações, o órgão pede que a Justiça determine aos entes públicos que cumpram as medidas previstas no acordo. Entre elas, a disponibilização de pelo menos 300 vagas para migrantes venezuelanos nos abrigos municipais e 119 no estaduais.
Além disso, antes de adotar qualquer medida relacionada aos indígenas da etnia Warao, os entes públicos devem realizar consulta prévia, livre e informada à população migrante, por meio de profissional habilitado em antropologia. A União também deve comprovar a regularidade dos repasses determinados em sentença, desde a intimação, sob pena de multa diária no valor de R$100 mil.
Imagem: MPF/PA