Está na Constituição Federal: é direito dos povos indígenas o acesso a uma educação escolar diferenciada, com alfabetização em sua língua materna e a valorização de seus conhecimentos e práticas tradicionais. A realidade, no entanto, é desafiadora, marcada muitas vezes pelo descaso dos entes públicos na implementação de tais garantias. O Ministério Público Federal (MPF) é o órgão que tem como missão zelar pelos interesses dos povos originários, com legitimidade para atuar perante a Justiça Federal e na esfera extrajudicial a fim de assegurar a oferta de um ensino escolar indígena diferenciado e de qualidade.
O MPF celebrou este ano um acordo com o município de Belterra, no Pará, que garantirá a reestruturação de três escolas indígenas na região, com a construção de uma unidade e reforma de outras duas. O município deverá apresentar um plano prevendo instalações e equipamentos adequados, internet, materiais didáticos, supervisão pedagógica permanente e gestão democrática participativa.
Além disso, o acordo garante a adoção de uma matriz curricular indígena, a contratação de professores no ensino de língua materna e saberes culturais, com os direitos próprios da categoria, além de oferta de merenda escolar de qualidade. Também passa a ser vedado ao Município exigir qualificação específica para os professores dessas disciplinas, bastando declaração de domínio assinada pelo cacique da aldeia ou pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O acordo ainda prevê a participação ativa das comunidades na tomada de decisões pedagógicas que as afetem, por meio de consulta prévia, livre e informada. Serão beneficiadas as comunidades Bragança, Marituba e Takuara.
O município deverá apresentar relatórios trimestrais da execução do plano homologado, para fins de monitoramento e revisão. O cumprimento do acordo será fiscalizado pelo MPF, Justiça Federal e pelas próprias comunidades. Em caso de descumprimento dos termos firmados, cabe multa diária em valor a ser estipulado pela Justiça.
O acordo foi celebrado após ampla atuação do MPF no caso, que propôs inicialmente medidas extrajudiciais para resolução da questão. Após não obter resposta do município, o órgão ingressou com uma ação civil pública na Justiça em caráter de urgência para reconhecimento das escolas como educandários indígenas. A situação era precária, com os alunos frequentando aulas em espaços improvisados, convivendo com rachaduras e problemas elétricos. Uma das salas de aula teve que ser interditada por risco de desabamento.
Conte com o MPF – Se a educação indígena for ausente ou insuficiente em determinado território, o MPF pode atuar na questão. Qualquer cidadão pode acionar o órgão, seja por escrito, pessoalmente, nas Salas de Atendimento ao Cidadão (SAC) das unidades dos MPF espalhadas pelo país, ou de maneira eletrônica pelo MPF Serviços. Um depoimento fundamentado é o suficiente para que se faça uma representação, mas a apresentação de fotos, documentos e outras evidências é encorajada.
O MPF possui atuação temática na causa indígena, por meio da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR). O principal desafio dos procuradores da República que atuam nessas temáticas é assegurar a pluralidade do Estado brasileiro na perspectiva étnica e cultural, como determina a Constituição Federal de 1988.
Saiba mais – A Constituição reconhece aos povos indígenas a manutenção de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições (Art. 231), o que passa pela educação diferenciada como forma de transmissão de seu modo de vida entre gerações. A educação indígena também é abordada nos artigos 210 (§ 2º), que versa sobre o direito de alfabetização em língua materna, e 215 (§ 1º), que prevê a proteção das manifestações culturais indígenas.
O dever do Estado em oferecer uma educação escolar bilíngue e intercultural foi reforçado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996). A Lei prevê a necessidade de se fortalecerem as práticas socioculturais e a língua materna de cada comunidade indígena, proporcionando a oportunidade de recuperação de suas memórias históricas e a reafirmação de suas identidades.
Novos objetivos e metas para a educação indígena foram trazidos no Plano Nacional da Educação (Lei 10.172/2001). Além disso, o Decreto 26/1991 transferiu a coordenação das ações educacionais em terras indígenas da Funai para o Ministério da Educação (MEC), com a execução das iniciativas ficando a cargo de estados e municípios.
Ilustração: MPF/PA