sexta-feira, junho 13, 2025
Desde 1876

As várias histórias contidas no PIB dos EUA

O PIB dos Estados Unidos do 1º trimestre nos conta várias histórias particulares e interessantes. Embora o número cheio tenha sido de -0,3% t/t na métrica anualizada, a composição aponta para uma situação bem diferente e que não conversa com o quadro de estagnação que o resultado agregado nos faz parecer.

O gasto das famílias surpreendeu positivamente, avançando 1,8% t/t ante expectativa de 1,2% t/t. A alocação desses gastos entre os diversos bens de consumo mostrou um fenômeno interessante e que já era de certa forma esperado. Após termos observado um desvio de demanda de serviços para bens (duráveis e não duráveis) por conta das políticas de distanciamento social que foram requeridas no período da pandemia de covid-19, agora observamos o movimento oposto. Isso ocorreu pelo fato de as tarifas de importação impactarem muito mais o consumo de bens (“tradables”) do que o consumo de serviços (“non-tradables”).

Os gastos do governo também apresentaram uma dinâmica interessante. O enxugamento da máquina pública norte americana promovido pelo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) sob o comando de Elon Musk resultou em uma grande divergência entre os gastos do governo federal (-5,1% t/t) e dos governos locais (0,8% t/t), o que fez com que os gastos do setor público como um todo registrassem variação de -1,4% t/t.

O componente do PIB pela ótica da demanda que mais chamou atenção foi o das importações, que dispararam 41,3% t/t. Essa alta colossal acabou tendo impacto significativo também sobre os investimentos privados (21,9% t/t). No caso destes, a principal contribuição veio dos investimentos em equipamentos (22,5% t/t), muito impactado pela maior importação de máquinas e equipamentos na esteira do esforço das firmas para se anteciparem as tarifas.

Embora tenhamos visto um crescimento econômico negativo do PIB do 1º trimestre na métrica anualizada, discordamos dos receios majoritários do mercado acerca do risco de recessão nos EUA. Por conta disso, achamos que o mais prudente é o banco central norte-americano (Federal Reserve) manter a taxa de juros inalterada até que o prazo de suspensão das tarifas recíprocas dado pelo governo Trump de 90 dias expire em meados de julho. A partir desta data, a autoridade monetária teria uma melhor estimativa do novo nível médio de tarifas aplicadas pelos Estados Unidos, permitindo cálculos mais precisos do impacto das mesmas sobre a inflação e as demais variáveis econômicas.

Em relação à conjuntura futura, por meio de um exercício simples podemos ter uma melhor noção a respeito do PIB do 2º trimestre. Supondo que os investimentos em equipamentos, a variação de estoques e as importações irão retornar para a média observada nos últimos 8 trimestres (2023 e 2024), e que os demais componentes da demanda (consumo das famílias, gastos do governo e exportações) repetirão o resultado do 1º trimestre, teríamos nesse caso uma contribuição adicional de 1,2 p.p. sobre o PIB, de modo que a variação de -0,3% t/t observada no início do ano daria lugar a um crescimento de 0,9% t/t na métrica anualizada no 2º trimestre.

Caso esse cenário se concretize, ele configuraria uma recuperação em “V” da economia americana, sacramentando o sucesso da administração Trump em atingir alguns de seus objetivos, entre eles a queda no preço das commodities, principalmente energéticas. A política de pressionar o cartel da OPEP parece estar rendendo frutos, uma vez que os preços do Brent já estão testando o patamar de US$ 60 o barril, ante US$ 80 quando a nova administração republicana assumiu a Casa Branca em 20 de janeiro. A inflação alta, principalmente dos itens voláteis de energia e alimentos, foi um dos pontos que mais desgastou a gestão anterior (Biden). Ao reduzir os preços do petróleo, o governo Trump parece querer atingir vários objetivos de uma vez só: combater a inflação rapidamente, permitindo uma convergência para a meta de 2,0% e, consequentemente, uma redução da taxa de juros por parte do FED, além de propiciar as condições para revitalizar o parque industrial americano com uma ampla oferta de energia.

A experiência recente da indústria alemã, que sofreu simultaneamente da disparada dos preços de energia em decorrência do conflito envolvendo a Rússia e a Ucrânia e da maior concorrência com as exportações chinesas no mercado internacional, é bem elucidativa para qualquer país que deseja ter sucesso em um processo de reindustrialização, contendo lições aplicáveis inclusive para os EUA. Esse quadro, que levou a produção industrial e a economia alemã como um todo a um cenário de estagnação que persiste até hoje, só reforça como uma ampla oferta de energia barata é condição necessária, ainda que não suficiente, para um país manter a suas plantas industriais saudáveis.

Além dos impactos domésticos da nova política tarifária que já estão sendo observados nos EUA, alguns efeitos colaterais já começaram a aparecer nos países que foram os principais alvos da guerra comercial nesse primeiro momento (China e Canadá). O Escritório Nacional de Estatísticas (NBS) da China mostrou um recuo considerável do Índice de Gerentes de Compras (PMI) de abril, para um patamar abaixo do nível neutro de 50 pontos. Na passagem de março para abril, o PMI industrial saiu de 50,5 para 49,0 pts. No caso canadense o choque foi ainda mais intenso, com a queda do PMI industrial, de 46,3 em março para 45,3 pts. em abril, arrastando o PMI composto (41,7 pts., ante 42,0 pts.) para o pior patamar desde meados de 2020 durante a pandemia de covid-19. Tal fato é compreensível dado que ¾ das exportações canadenses tem como destino os EUA.

A despeito desse cenário desafiador, o atual cenário de incerteza global recorde deve sofrer uma melhora substancial quando os primeiros acordos comerciais bilaterais começarem a ser anunciados. A nova política comercial de imposição de tarifas de importação é apenas o primeiro pilar dentre três (tarifas, desregulamentação e corte de impostos), através dos quais a administração Trump planeja favorecer os trabalhadores americanos (“main street”). A mudança na estrutura de comércio é o mais difícil dos três a ser implementado e sem dúvidas a que vai causar mais ruídos, mas ao mesmo tempo a mais disruptiva de todos. Já a agenda de desregulamentação e corte de impostos são pontos de alcance mais limitado por se tratar de temas restritos a esfera doméstica americana, mas tendem a contrabalançar o pessimismo atual com a questão tarifária ao inaugurarem uma agenda mais positiva.

Foto: Jonathan Ernst/Reuters

Reprodução CNN: José Marcio de Camargo

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