Autor marajoara rompeu barreiras literárias, denunciou injustiças sociais e eternizou a Amazônia na literatura brasileira
A literatura paraense celebra um marco histórico: a obra de Dalcídio Jurandir, um dos maiores nomes da narrativa amazônica, foi oficialmente reconhecida como Patrimônio Cultural e Artístico de Natureza Imaterial do Pará. O reconhecimento veio através da Lei nº 10.967, sancionada pelo governador Helder Barbalho e publicada no Diário Oficial do Estado nesta quarta-feira (14).
A iniciativa partiu do deputado Iran Lima (MDB), com projeto aprovado pela Assembleia Legislativa no último dia 22 de abril. A sanção representa mais que uma homenagem: é o reconhecimento institucional de um autor que dedicou sua vida a retratar com profundidade, beleza e crítica o cotidiano amazônico e suas complexidades.
Muito além do regionalismo
Nascido em 10 de janeiro de 1909, na vila de Ponta de Pedras, na Ilha do Marajó, Dalcídio Jurandir nome literário de Dalcídio Ramos Pereira foi um dos primeiros escritores a mostrar o Norte do Brasil para o restante do país com um olhar sensível e profundo. Ele quebrou paradigmas ao ir além do regionalismo, explorando temas universais como amor, desigualdade, opressão e resistência, sempre com foco na realidade amazônica.
Sua trajetória foi marcada por lutas e conquistas. Estudou nos principais colégios do Pará e, mais tarde, no Rio de Janeiro, onde enfrentou dificuldades financeiras e trabalhou como revisor e lavador de pratos. Paralelamente, escrevia para jornais e revistas, como O Cruzeiro, e construía sua obra literária com foco em sua terra natal.
Legado literário e político
Dalcídio foi também um militante político, tendo sido preso duas vezes por sua atuação comunista. Mesmo perseguido, seguiu escrevendo e expandiu sua influência internacional ao publicar obras traduzidas em países como Chile e na antiga União Soviética.
Em 1972, recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. A honraria foi entregue por Jorge Amado, que descreveu sua literatura como “um levantamento repleto de ternura da humanidade paraense”.
Romances que contam a Amazônia por dentro
A literatura de Dalcídio é marcada por uma linguagem lírica e realista. Em Chove nos Campos de Cachoeira (1940), sua estreia premiada, ele inicia a saga do personagem Alfredo, figura recorrente que atravessa diversos de seus romances e carrega a identidade do povo amazônico.
Em Marajó, o autor denuncia o poder dos latifúndios e a exclusão social no Norte. Já em Belém do Grão-Pará, mostra a decadência de uma elite arruinada pelo fim do ciclo da borracha. Em Primeira Manhã, critica as mazelas da educação brasileira, revelando problemas que ainda persistem. E em Chão dos Lobos, acompanha os conflitos íntimos de Alfredo e sua fuga da cidade em busca de respostas existenciais.
Importância atemporal
A obra de Dalcídio Jurandir é constantemente utilizada como material de pesquisa nas áreas da literatura, sociologia, antropologia e história. Sua escrita, ao mesmo tempo poética e crítica, continua inspirando estudiosos e leitores, provando que seu legado ultrapassa fronteiras geográficas e temporais.
Com o reconhecimento como Patrimônio Cultural Imaterial, o Pará eterniza a contribuição de Dalcídio Jurandir à cultura brasileira um autor que deu voz à Amazônia e colocou a literatura nortista no mapa nacional.
“A ilha era feita de sol, vento e silêncio. O rio ia e vinha como uma saudade, e o céu parecia repousar nas águas. Marajó não era só terra, era memória, era gente, era ausência e presença ao mesmo tempo.”
Dalcídio Jurandir, em “Marajó”
Por: Thays Garcia/ A Província do Pará
Imagem: Divulgação