Com ajuda da tecnologia, família dá à vítima a “palavra final” mas especialistas alertam para os perigos desse precedente.
A cena parecia saída de um episódio de ficção científica: Chris Pelkey, morto a tiros em um semáforo no Arizona há três anos, apareceu em vídeo durante o julgamento de seu assassino. Mas não era um vídeo antigo era uma recriação feita com inteligência artificial, desenvolvida por sua própria família.
A versão digital de Pelkey, reconstruída a partir de fotos, vídeos e gravações de voz, fez uma declaração diretamente a Gabriel Horcasitas, o homem que apertou o gatilho.
“Em outra vida, provavelmente poderíamos ter sido amigos”, disse a versão em IA. “Acredito no perdão e em um Deus que perdoa. Sempre acreditei e ainda acredito.”
A fala foi escrita pela irmã de Chris, Stacey Wales, baseada em quem o irmão era em vida. Ela contou à BBC que o objetivo era dar a ele o “direito de dizer algo que lhe foi tirado”. O juiz, sensibilizado, elogiou a iniciativa: “Adorei essa IA. Eu ouvi o perdão.”
Tecnologia como instrumento de justiça ou de manipulação?
A ideia de usar IA para dar voz a uma vítima não é apenas comovente é também profundamente controversa. Especialistas como Derek Leben, da Carnegie Mellon University, questionam: como garantir que essas falas sejam realmente fiéis ao que a pessoa diria?
Se por um lado a IA pode ser uma ferramenta de humanidade, reconstruindo vozes silenciadas pela violência, por outro ela abre espaço para distorções perigosas especialmente se usada com intenções menos nobres ou sem critérios éticos rigorosos.
O futuro é agora, e é delicado
A tecnologia já vem sendo utilizada em diferentes esferas do sistema jurídico nos Estados Unidos, como a simplificação de decisões judiciais por IA no Arizona. Mas o uso em julgamentos que envolvem vítimas fatais levanta novas questões emocionais, morais e até legais.
Para Stacey Wales, no entanto, o gesto foi de amor e dignidade: “Usamos essa tecnologia como uma ferramenta para construir, não para destruir.”
Esse episódio abre uma discussão essencial para a era digital: até onde a inteligência artificial pode – e deve – ir quando se trata de dar voz àqueles que já não estão aqui para falar por si?
Imagem: Reprodução Internet