O Ministério Público Federal (MPF) expediu uma recomendação, ontem, terça-feira, 15, para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não emita qualquer licença ambiental para a exploração de petróleo no Bloco FZA-M-59, localizado na bacia da Foz do Amazonas, enquanto os estudos de impactos socioambientais continuarem com falhas e inconsistências.
A recomendação também aponta a necessidade de que a Petrobras realize uma série de novos estudos e que a União, por meio da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), promova consulta prévia, livre e informada com todos os povos e comunidades tradicionais potencialmente afetados na região.
O MPF alerta para omissões e contradições no chamado Estudo Ambiental de Caráter Regional (EACR) que “inviabilizam a sua aprovação enquanto estudo de referência”. Membros da instituição que atuam na Procuradoria da República no Pará e na Procuradoria Regional da República da 1ª Região, em Brasília (DF), argumentam que os estudos apresentados pela Petrobras contêm graves deficiências. Entre os principais pontos criticados, estão:
• Área de Influência (AI) inadequada: a recomendação afirma que a delimitação da área de impacto do empreendimento é falha por não definir expressamente as Áreas Diretamente Afetadas (ADA), de Influência Direta (AID) e de Influência Indireta (AII). Além disso, aponta que municípios como Primavera (PA) e Capanema (PA), que receberão resíduos da perfuração, não foram incluídos na AI;
• Contradição interna: mapas do próprio estudo de impacto ambiental (EIA) mostram uma sobreposição direta entre as rotas das embarcações de apoio e áreas de pesca artesanal nos municípios de Bragança (PA) e Augusto Corrêa (PA), que não foram adequadamente considerados;
• Informações desatualizadas e incompletas: o MPF destaca que os dados sobre as comunidades pesqueiras e extrativistas estão desatualizados há mais de seis anos e são contraditórios com a realidade local. O município de Ananindeua (PA), por exemplo, foi excluído do estudo de pesca, embora possua uma região insular com atividade pesqueira artesanal e seja sede da comunidade quilombola Abacatal-Aurá, que também pratica a pesca; e
• “Carta em branco” para perfuração: a documentação da Petrobras prevê a perfuração de apenas um poço exploratório (Poço Morpho), condicionando a análise de outros prospectos aos resultados obtidos. Para o MPF, isso equivale a uma “carta em branco”, pois evita uma avaliação adequada dos impactos cumulativos de múltiplas perfurações.
Impactos socioambientais e falta de consulta
A recomendação enfatiza o risco de conflitos com atividades essenciais para a população local, como a pesca artesanal e industrial e o turismo. O MPF cita estudos que descrevem a pesca como “fonte de renda e de alimento essencial para centenas de milhares de pescadores artesanais”.
Um dos pontos centrais da recomendação é a ausência da consulta prévia, livre e informada, um direito de povos indígenas e comunidades tradicionais garantido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
O MPF argumenta que a consulta deve ser realizada antes da emissão de qualquer licença, abrangendo todos os povos e comunidades que possam ser afetados na bacia da Foz do Amazonas, e não apenas aqueles próximos ao Bloco FZA-M-59.
DETALHES DA RECOMENDAÇÃO
Diante do cenário, a recomendação detalha as seguintes necessidades urgentes:
• à Petrobras: realizar imediatamente a revisão da Área de Influência, uma nova caracterização da atividade com o cronograma de todos os poços a serem perfurados, e novos estudos de desembarque pesqueiro, de impacto climático e dos componentes indígena, quilombola e de povos e comunidades tradicionais;
• ao Ibama: não emitir a licença ambiental para o Bloco FZA-M-59 até que a Petrobras apresente todos os novos estudos exigidos; e
• à União Federal e ANP: realizar a consulta prévia, livre e informada com todos os povos e comunidades tradicionais potencialmente afetados na região costeira da Foz do Amazonas, após a conclusão dos estudos e antes da emissão de qualquer licença.
Foto ilustrativa por Anan Kaewkhammul, via Canva