Liminar vem em paralelo a voto pela descriminalização do aborto; plenário ainda precisa referendar
Leonardo Ribbeiro, da CNN Brasil, Brasília
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu, em medida cautelar, ampliar o rol de profissionais de saúde autorizados a atuar na interrupção de gravidez em casos previstos pela legislação brasileira — como gravidez resultante de estupro, risco de morte da gestante ou feto anencéfalo.
A decisão reconhece que a limitação do procedimento apenas a médicos contribui para o “vazio assistencial” e a violação de direitos fundamentais de meninas e mulheres vítimas de violência sexual.
A medida permite que enfermeiros e técnicos de enfermagem auxiliem na realização do aborto legal, especialmente quando o procedimento for medicamentoso e realizado nas fases iniciais da gestação, desde que dentro de suas competências profissionais. Barroso também suspendeu processos judiciais e administrativos que punam esses profissionais por atuarem nesses casos.
Na decisão, o ministro destacou que o Brasil enfrenta um “grave déficit assistencial” no atendimento a mulheres e meninas vítimas de estupro.
Segundo dados citados na ação, cerca de 16 mil meninas entre 10 e 14 anos se tornam mães por ano no país, e há apenas 166 hospitais habilitados a realizar o aborto legal em todo o território nacional.
O STF entendeu que essa escassez de serviços representa uma forma de violação da dignidade humana, da integridade psicofísica e do direito à saúde, previstos na Constituição Federal.
Barroso classificou como “inimaginável” o sofrimento de mulheres forçadas a levar adiante uma gravidez decorrente de estupro, afirmando que negar o acesso ao aborto legal configura uma “tortura psicológica”. Ele também destacou que a gravidez infantil é uma violação do princípio da proteção integral da criança, garantido pelo artigo 227 da Constituição.
Além da ampliação do atendimento, o ministro determinou que órgãos públicos de saúde se abstenham de impor obstáculos não previstos em lei, como limite de idade gestacional ou exigência de boletim de ocorrência policial para a realização do procedimento.
A decisão foi tomada em caráter liminar, mas tem efeito imediato até o julgamento definitivo da ação. Para Barroso, a interpretação do artigo 128 do Código Penal — que desde 1940 prevê que “não se pune o aborto praticado por médico” — deve ser atualizada à luz da ciência e da realidade social brasileira.
A ADPF foi proposta por entidades como a ABEn (Associação Brasileira de Enfermagem), o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), a ABENFO (Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras) e outras organizações da área de saúde e bioética.
O caso também conta com manifestações de amici curiae, incluindo a Frente Parlamentar Mista contra o Aborto e a Defensoria Pública do Paraná.
Antes, Barroso votou a favor da descriminalização do aborto. Posteriormente, o ministro Gilmar Mendes pediu vista no caso.
Antonio Augusto/STF