domingo, outubro 5, 2025
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Atenção médica inclusiva melhora adesão de adultos LGBT+ a exames e vacinas

Estudo mostra que práticas afirmativas são determinantes para confiança e prevenção em saúde nessa população

Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Estudo realizado com quase mil adultos LGBTQIA+ nos Estados Unidos mostra como a qualidade da relação médico-paciente pode impactar diretamente na saúde preventiva dessa população. Conduzida com pessoas de 50 a 76 anos, a pesquisa revela que experiências neutras ou discriminatórias nos serviços de saúde reduzem a adesão a exames e vacinas recomendados, aumentando a vulnerabilidade desse grupo a doenças evitáveis.

Os resultados foram publicados em maio na revista Health Services Research. Os pesquisadores analisaram dados do estudo LGBTQ+ Social Networks, Aging, and Policy, que acompanha a saúde e o envelhecimento dessa população.

A equipe identificou três padrões de experiências relatadas: cuidado afirmativo (34%), caracterizado por serviços preparados e acolhedores em relação às especificidades LGBTQIA+; cuidado neutro (60%), quando não há sinais claros de acolhimento, mas também não ocorrem situações de desrespeito; e cuidado discriminatório (6%), marcado por episódios segregativos, encaminhamentos inadequados ou linguagem ofensiva.

Os resultados revelam que indivíduos que relataram apenas experiências neutras tinham uma probabilidade 12% menor de já terem feito teste de HIV e 17% menos chance de terem se testado recentemente. Já aqueles que enfrentaram situações discriminatórias eram 12% menos propensos a terem se vacinado contra gripe nos três anos anteriores e 15% menos suscetíveis ao rastreamento de câncer colorretal.

A pesquisa mostra que não basta evitar a discriminação — a ausência de sinais claros de acolhimento já compromete a adesão aos cuidados e é suficiente para afastar pacientes das práticas preventivas. Muitos indivíduos LGBTQIA+ deixam de procurar serviços de saúde ou adiam exames preventivos por não se sentirem seguros em ambientes clínicos. O resultado é um risco maior de diagnósticos tardios, complicações e custos mais altos para o sistema.

Para o ginecologista Emmanuel Nasser Vargas Assis, do Hospital Municipal Dr. Moysés Deutsch – M’Boi Mirim, unidade pública gerida pelo Einstein em São Paulo, esses achados refletem um esforço ainda tímido do sistema de saúde em lidar com as necessidades dessa população.

“O estudo ressalta que, embora as experiências negativas tenham sido estatisticamente baixas, a falta de acolhimento por si só gera um impacto enorme. Apenas 3% dos consultórios tinham materiais que demonstravam apoio à comunidade LGBTQIA+, e só 17% dos pacientes relataram uso de linguagem inclusiva nos atendimentos”, avalia Assis, que também atua no Centro de Referência de Saúde Integral para a população de Travestis e Transexuais – Janaína Lima, na capital paulista. “Esses detalhes, que podem parecer triviais, são determinantes: comprometem a confiança, reduzem a adesão ao tratamento e afastam as pessoas do acompanhamento preventivo.”

Esse cenário também se repete no Brasil. “Apesar de termos protocolos direcionados à saúde LGBTQIA+, ainda há baixa adesão dos profissionais de saúde em atualizar conhecimentos e uma falta de compromisso institucional em adotar práticas realmente inclusivas. A consequência é que pacientes sentem que suas vivências não são compreendidas e acabam evitando os serviços”, analisa o especialista.

O que é cuidado afirmativo?

Na prática, oferecer um cuidado afirmativo significa ir além da ausência de preconceito: envolve criar um ambiente que ativamente reconheça e valorize a diversidade. “Um serviço de saúde afirmativo é aquele que respeita o nome social e pronomes do paciente, adota linguagem inclusiva, exibe materiais que reforçam o compromisso com os direitos da população LGBTQIA+ e treina continuamente sua equipe para lidar com especificidades dessa comunidade”, explica Emmanuel Assis.

O acolhimento deve estar presente em todos os níveis do atendimento, da recepção à consulta. “Não adianta o médico ser cuidadoso se o paciente foi constrangido na sala de espera, cada detalhe comunica se aquele espaço é seguro ou não”, observa o médico.

Outro aspecto essencial é a diversidade das próprias equipes de saúde. “Como acreditar que um serviço é inclusivo se todas as pessoas envolvidas no cuidado não refletem a diversidade da população atendida? A linguagem não verbal, nesse caso, é tão poderosa quanto qualquer protocolo”, afirma.

Desafios dos mais velhos

A pesquisa também chama atenção para um público específico: adultos LGBTQIA+ de meia-idade e idosos. Esse grupo já enfrenta riscos adicionais de saúde, como maior prevalência de condições crônicas, isolamento social e menor acesso a redes de apoio.

Há ainda todas as situações que enfrentaram ao longo da vida. “Estamos falando de pessoas que viveram a epidemia de HIV/AIDS [nos anos 1980 e 1990] e foram privadas de direitos básicos. O casamento civil igualitário só foi permitido legalmente em 2013 e, até 2020, por exemplo, pessoas LGBTQIA+ eram proibidas de doar sangue”, exemplifica o ginecologista. “Além disso, enfrentaram décadas de estigmatização. Isso deixa marcas profundas na saúde mental e influencia como se relacionam com o sistema de saúde.”

solidão, o abandono familiar e a falta de empregabilidade são outros fatores que dificultam o acesso. “Muitas vezes, essas pessoas chegam aos serviços já em condições mais graves, porque evitaram consultas preventivas ao longo da vida. É uma população que exige atenção redobrada.”

Para os pesquisadores, não basta tratar sem discriminar: é preciso adotar estratégias proativas de acolhimento. Emmanuel Assis concorda. “O primeiro passo é deixar claro, já na estrutura do serviço, que aquele ambiente é inclusivo. Isso pode ser feito com placas, campanhas, banheiros sem discriminação de gênero, panfletos. Mas é essencial que esses sinais venham acompanhados de práticas consistentes, como a atualização de prontuários para registrar nome social e pronomes, para evitar constrangimentos”, sugere.

Outro pilar é a educação continuada. “As instituições precisam investir na capacitação das equipes, desde a recepção até os profissionais técnicos e médicos, para que todos compreendam a diversidade de vivências e estejam preparados para atender com respeito e eficácia. Isso não pode ser um esforço pontual, mas sim uma política permanente”, propõe o médico.

Nadzeya Haroshka/GettyImages

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