domingo, outubro 19, 2025
Desde 1876

Conexões do crime: Comando Vermelho se expande para 25 estados e faz frente ao Primeiro Comando da Capital

O comunicado chegou aos grupos de WhatsApp do Comando Vermelho (CV) em setembro. Era um aviso do braço da facção em Minas Gerais, preocupado com a saída em massa dos traficantes de lá para a capital fluminense, um cenário de “descontrole”, como foi descrito. A mensagem segue em tom de descontentamento: “Têm chegado muitas reclamações contra irmãos de Minas que estão vindo para o Rio e não estão tendo nenhum compromisso e dedicação com a facção”. O Conselho Permanente CV-MG, que assina o recado, afirma que esses criminosos estão nas favelas cariocas apenas para aproveitar seus “benefícios” — segundo policiais, esses territórios oferecem proteção, uma vida mais luxuosa, status no crime e novos parceiros de negócios.

A preocupação com essa migração também está na mira dos órgãos de segurança pública fluminenses, que já identificam a presença de traficantes de outros 12 estados em territórios sob domínio do CV no Rio. Após analisar documentos, relatórios e processos, e entrevistar policiais, promotores e especialistas, o EXTRA começa a publicar hoje uma série dominical de reportagens sobre a gênese e as consequências dessas conexões criminosas, construídas para intensificar a expansão do Comando Vermelho frente à abrangência nacional do grupo paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).

Nos bastidores dessas novas negociações, aparecem as penitenciárias federais, que possibilitaram elos de traficantes pelo país, e a atuação de advogados criminosos, que usam a profissão para fazer trocas de recados entre traficantes, a chamada “sintonia”. Essa combinação ajudou o Comando Vermelho a abrir “franquias” em 25 estados e no Distrito Federal, além de transformar o Rio num espaço de intercâmbio, onde chefes da facção espalhados pelo Brasil ganharam blindagem e passaram a controlar territórios à distância, escondidos nos grandes complexos cariocas, o que deu estabilidade aos negócios.

A mensagem enviada aos traficantes de Minas escondidos no Rio de Janeiro já é investigada por policiais civis mineiros e fluminenses, que trocam informações na intenção de identificar e prender os criminosos. As prisões, apesar de dificultadas pelo contexto criminal do Rio, têm sido recorrentes: somente em 2025, 403 pessoas de outros estados ingressaram no sistema penitenciário fluminense, como traficantes, homicidas e estelionatários, entre outros — 81 deles são mineiros.

O comando remoto do tráfico

A Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil do Rio não tem ainda o número de foragidos de Minas escondidos no estado — a vinda deles é uma das mais recentes, iniciada durante a pandemia. No entanto, a pasta aponta que já detectou, com nome e número da carteira de identidade, pelo menos 152 traficantes de diferentes lugares do país abrigados nos grandes complexos cariocas. Os que saíram do Pará são maioria: 78. Contudo, estima-se que o número daqueles sem identificação seja muito maior, podendo chegar, como sugerem autoridades, a milhares de criminosos escondidos no estado.

Esse fenômeno também tem ampliado conexões entre delegados e chefes de investigações das polícias de todo o Brasil, para combater as migrações de traficantes. Grupos de WhatsApp foram criados para facilitar a comunicação entre eles, por onde são compartilhados paradeiros de criminosos, mandados de prisão em aberto e informações sobre mortes e guerras. Operações em conjunto também são realidade. No fim de setembro, uma ação das polícias Civil e Militar do Rio recebeu apoio do Pará contra o avanço do CV nas comunidades da Gardênia Azul e Cidade de Deus, na Zona Suduoeste da capital fluminense. Uma paraense apontada como soldado do tráfico e elo entre os dois estados foi presa.

Na Rocinha, Zona Sul do Rio, o apoio nas últimas operações veio da Polícia Civil do Ceará. Em dezembro de 2024, agentes foram à comunidade para cumprir 34 mandados de prisão e nove de busca e apreensão contra traficantes cearenses e goianos escondidos por lá. À época, as autoridades afirmaram que os criminosos, muitos foragidos, usavam a comunidade como esconderijo e mantinham poder sobre seus estados num esquema de “home office”. Em maio deste ano, a ação foi repetida e revelou um contexto ainda mais desafiador: cerca de 400 traficantes da comunidade foram flagrados, por drones operados pela Polícia Militar, em fuga pela mata da região. Todos estavam armados com fuzis e usavam roupas camufladas.

Um dos alvos foi José Mario Pires Magalhães, o ZM, o principal nome do Comando Vermelho no Ceará, segundo a polícia. Ao lado de comparsas, ele escapou das duas investidas e continua a morar na Rocinha com aval do chefe do tráfico na favela, John Wallace da Silva Viana, o Johny Bravo. Natural de Canindé, cidade do sertão do Ceará com menos de 80 mil habitantes, ele vive há pelo menos dois anos numa casa luxosa com banheira de hidromassagem e vista para a Praia de São Conrado, na Zona Sul do Rio.

A ligação de ZM com o Comando Vermelho, como sugere um advogado que o defendeu, começou em 2012 na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde ficou por pouco mais de um ano. À época, ele era réu pela morte de um diretor de carceragem em Canindé, mas acabou sendo absolvido devido à falta de provas. No presídio, ele foi acolhido por traficantes da facção, mas não chegou a se filiar a ela de início. Somente ao deixá-la e ser procurado por integrantes do Primeiro Comando da Capital que mudou de ideia: o grupo paulista exigiu territórios do Ceará em troca da irmandade, além de quantia em dinheiro. O CV seguiu num acordo mais amistoso, sem demandas.

Para o promotor de Justiça e coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Rondônia, Anderson Batista de Oliveira, a migração de chefes do CV no Rio, como ZM, aumenta a capacidade operacional da facção ao nível nacional:

— Hoje está muito comum falar de trabalho híbrido ou remoto, e o crime faz o mesmo. Eles entenderam que o chefe estratégico não precisa mais estar no estado de origem. Ela pode ficar geograficamente protegida no Rio e tomar as decisões por videochamadas. E isso é muito vantajoso para todos eles. O chefe do estado fica protegido no Rio, por estar em um local de difícil acesso da polícia, e a organização protege seus principais ativos, diminuindo a rotatividade e gerando estabilidade nos negócios, principalmente em estados que fazem fronteira — explica ele.

A migração, dessa forma, inaugura um sistema de “ganha-ganha”: de um lado, os foragidos conquistam proteção, status e novos conhecimentos no Rio; e do outro, a facção amplia franquias Brasil afora, incluindo poderio sobre rotas de escoamento de armas e drogas. A situação, como reforça Carlos Antônio Luiz de Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil do Rio, tornou-se uma ameaça nacional:

— Não se trata apenas das disputas no Rio de Janeiro. Hoje, o Comando Vermelho disputa o Brasil com o PCC. Em pouco tempo, não estaremos mais discutindo somente segurança pública, mas sim soberania nacional e quem manda no país — alerta.

Ida para o Rio com a chancela de Beira-Mar

Os foragidos escondidos no Rio têm participação nas disputas territoriais da cidade. Um traficante nascido no Ceará e que ganhou fama no crime em Rondônia desempenha papel direto na briga do Comando Vermelho com a milícia da Zona Sudoeste carioca. Luiz Carlos Bandeira Rodrigues, o Da Roça ou Zeus, chegou ao Rio pouco tempo após deixar a Penitenciária Federal de Campo Grande e, segundo a Polícia Civil, ganhou força no CV ao tomar a Muzema. Como reconhecimento, ele virou chefe do tráfico na comunidade.

A migração de Zeus para o Rio, em 2022, não foi contestada. Amigo de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, um dos nomes da cúpula do Comando Vermelho, ele chegou à cidade chancelado. Os dois, como apontam autoridades, estreitaram laços no sistema penal federal — o histórico prisional de ambos mostra que eles estiveram, de 2019 a 2021, presos em Campo Grande.

— Ele já chegou ao Rio com a chancela do apadrinhamento de Beira-Mar, mas, quando ajudou a facção a dominar a região da Muzema, conquistou de vez o respeito da chefia local — afirmou uma fonte na polícia sob condição de anonimato.

Beira-Mar e Zeus, porém, se conheceram anos antes. Investigações da Polícia Civil de Rondônia revelam que desde 2015 eles mantinham contato à distância, presos em unidades diferentes: Beira-Mar, na federal de Porto Velho; Zeus, no Centro de Ressocialização do Cone Sul, em Vilhena. Um áudio interceptado entre o traficante e um homem identificado por Racional, membro do Comando Vermelho em Maceió, expõe até dicas de como entrar em contato com Beira-Mar:

“Eu queria mandar um catatau lá para o Fernandinho Beira-Mar, com quem eu mando, irmão? […] É para chegar na mão dele”. Zeus, então, responde: “Você faz o seguinte. Elabora aí o informativo e lança no WhatsApp do Matemático, que vou encostar ali na cunhada para ver o dia que pode mandar lá para dentro (do presídio). Vai passar do WhatsApp para o papel, do papel vai para a mão do advogado, e o advogado bate lá e manda na mão do corre”.

Além disso, a chegada de Zeus à capital fluminense coincide com o início da expansão do Comando Vermelho pela Zona Sudoeste, historicamente dominada pela milícia. Atualmente, ele se refugia no Complexo do Alemão, na Zona Norte, comandando tanto a Muzema quanto Rondônia. A posição de chefe, ainda incomum para traficantes de fora, também está ligada à habilidade bélica e à agilidade para conseguir armas e munições.

Além de Zeus e Beira-Mar, um processo ao qual o EXTRA teve acesso destaca uma amizade entre Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, também do Comando Vermelho, com Geovane dos Santos Niches, conhecido por Bomba, chefe da facção Primeiro Grupo Catarinense (PGC) — a maior de Santa Catarina — no sistema penal federal. No documento, um agente do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) desse estado, órgão do Ministério Público, afirmou que os dois se aproximaram na unidade de Porto Velho, em Rondônia, e eram até assistidos por advogados em comum.

Fonte e imagens: Portal do Jornal Extra.Globo

300x100 Banparacard Consignado
300x100 Banparacard Consignado

artigos relacionados

PERMANEÇA CONECTADO

50,232FansLike
3,602FollowersFollow
22,700SubscribersSubscribe
360x360 Banparacard Consignado
360x360 Banparacard Consignado
Rastreabilidade Bovina_320x320px
Entregas Ananindeua - 320x320
GovPA_Cirio25_WebBanner_320x320
Webbanner_320x320px
WebBanner_NovaDoca_320x320px

Mais recentes