Nas últimas décadas o Brasil tem experimentado um crescimento significativo no número de instituições de ensino superior que oferecem cursos de Medicina. Com a justificativa de suprir a demanda de médicos em regiões carentes, foram criados quase 150 cursos da modalidade no país entre os anos de 2010 e 2024.
Hoje, segundo a Demografia Médica Brasileira (FMUSP / AMB), o país possui mais de 545 mil médicos, o que corresponde a uma relação de 2,7 médicos por mil habitantes, densidade semelhante à dos EUA e Japão. Mas a distribuição desses profissionais persiste desigual entre as regiões brasileiras, com o Sudeste concentrando 56% dos médicos, enquanto o Norte possui pouco mais de 5%.
A ampliação no número de faculdades de Medicina também trouxe consigo desafios importantes, sendo os principais deles a disputa por campos de estágio e a preocupação com a qualidade do ensino ofertado.
A formação médica envolve uma sólida base teórica, mas é somente com prática que os futuros profissionais serão capazes de comprovar seus conhecimentos e habilidades.
O estágio supervisionado, realizado em hospitais e unidades de saúde, é essencial para que o aluno se aproxime da realidade do atendimento ao paciente, desenvolva competências clínicas e vivencie as exigências da profissão.
Infelizmente, a oferta de campos de estágio não acompanhou o crescimento no número de cursos e profissionais formados. E muitas das novas instituições não possuem infraestrutura suficiente ou o credenciamento necessário com hospitais e clínicas para proporcionar aos seus alunos a experiência prática que eles precisam para uma formação qualificada.
Essa relação desbalanceada resulta em uma competição acirrada pelas vagas de estágio, e condições que atrapalham tanto o ensino médico como o atendimento ao público. Como é possível formar um médico, por exemplo, colocando 10 alunos ao mesmo tempo em uma sala de parto ou em um leito de UTI? Isso não só compromete o aprendizado, como representa um desrespeito com os próprios pacientes.
A escassez de estágios gera uma pressão sobre os hospitais e unidades de saúde, que precisam ampliar sua capacidade de acolhimento de estagiários, muitas vezes sem o suporte necessário para garantir uma supervisão de qualidade. Não é incomum ver casos onde um médico preceptor, responsável por supervisionar o desenvolvimento dos internos e residentes de uma instituição, precisa se desdobrar para fiscalizar as ações de vários dos estagiários presentes.
Essas condições fazem com que um grande número de estudantes não consiga completar sua formação de maneira adequada, além de comprometer a qualidade do atendimento médico nas futuras gerações de profissionais.
O padrão de excelência do ensino médico não pode ser comprometido às custas de um aumento desproporcional do número de cursos. Sem a devida regulamentação e fiscalização rigorosa, a educação médica acaba ficando desigual, o que compromete a formação em saúde no Brasil.
É por isso que a organização e a padronização da distribuição e da quantidade de campos de estágio são uma necessidade urgente. O Ministério da Saúde, em conjunto com o Ministério da Educação, precisa estabelecer diretrizes claras e critérios rigorosos para a alocação de estágios, levando em consideração a capacidade de supervisão e o ambiente de aprendizagem.
Essas regras também devem considerar uma quantidade máxima de estagiários por unidade de saúde, compatível com a infraestrutura disponível, e também garantir que a experiência prática seja supervisionada por profissionais qualificados. Igualmente é preciso um plano conjunto em parceria com as secretarias de saúde que estabeleça protocolos claros para garantir um ensino consistente.
Somente com uma política pública eficaz, que regule tanto a distribuição de campos de estágio quanto a criação de novos cursos de Medicina, será possível assegurar que a expansão do ensino médico no Brasil resulte efetivamente em mais qualidade na saúde pública e privada no país.
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