Um dia caótico nos Estados Unidos, quando todos os aparelhos do país sofrem um ataque cibernético simultâneo, é o ponto de partida de Dia Zero, aposta de peso da Netflixpara 2025.
A série limitada de 6 episódios acaba de estrear na plataforma de streaming, tendo Robert De Niro em raro papel no formato televisivo. O ícone da atuação interpreta George Mullen, um ex-presidente dos EUA extremamente popular, retirado da aposentadoria a pedido da presidente em exercício Evelyn Mitchell (Angela Bassett) para chefiar a Comissão Dia Zero, formada por um grupo de especialistas encarregados de investigar a invasão dos hackers.
Dia Zero explora temas como desinformação, poder, ameaça à democracia e moralidade, dialogando com a vida real ao alertar para o autoritarismo governamental, a corrupção e a relação dos EUA com a Rússia, além de fazer alusões claras a magnatas da tecnologia e influenciadores.
‘Deus nos ajude!’
Ao Estadão, os criadores/produtores Eric Newman (Narcos, Griselda) e Noah Oppenheim (roteirista de Jackie, de 2016, sobre a primeira-dama Jacqueline Kennedy), explicam que a gênese do projeto surgiu da ideia de que agora vivemos em um mundo no qual cada um tem sua própria versão da realidade.
“Começamos a falar sobre como poderíamos construir um thriller que pudesse abordar esse desafio de não haver uma versão compartilhada da verdade. Eric e eu discutimos sobre quais são os maiores perigos que o mundo enfrenta. O que nos mantém acordados à noite. Os problemas são particularmente agudos no nosso país, mas eu não acho que eles sejam exclusivos dos EUA”, diz Oppenheim, jornalista que foi presidente da emissora NBC News entre 2017 e 2022.
Apesar das similaridades com o filme pós-apocalíptico O Mundo Depois de Nós (2023) e a série política House Of Cards, ambos sucessos da Netflix, os showrunners não reconhecem tais influências para Dia Zero.
“Os filmes e séries que falamos e vimos foram uma mistura de thrillers paranoicos dos anos 70. A Trama (1974), Maratona da Morte (1976), Sete Dias de Maio (1964), Todos os Homens do Presidente (1976). Também, os filmes de Costa-Gavras [cineasta grego-francês], como A Confissão (1970) e Z (1969). Muito dessa ideia de que o Estado é maior do que nós e ‘Deus nos ajude!’. Acho que fomos muito mais influenciados por esse tipo de cinema do que por qualquer coisa do entretenimento contemporâneo”, conta Newman.
O fator De Niro
Na posição de um dos principais atores vivos, o homem que eternizou retratos emblemáticos em O Poderoso Chefão: Parte II (1974) e Touro Indomável (1980) está acostumado a receber bons roteiros. Newman confessa que foi preciso algo a mais para convencê-lo a embarcar no projeto.
“Acredito que o que o atraiu é o mesmo que nos atraiu: um thriller muito bem executado com reviravoltas e, obviamente, um conto de advertência. Não é sobre Trump, Bolsonaro ou nenhum líder específico no cenário político atual. Mas todas essas convulsões e mudanças populistas tiveram no centro delas um eleitorado que está talvez vivendo em uma realidade alternativa. Então, De Niro realmente entendeu isso e ficou animado com a perspectiva de sermos mais politicamente agnósticos e nunca identificarmos nenhum partido”, analisa o produtor.
Ao Estadão, Angela Bassett falou sobre voltar a atuar com o astro de 81 anos após mais de duas décadas – eles colaboraram em A Cartada Final (2001). “Ao longo dos anos, continuei sendo uma fã. Fazia muito tempo que eu não o via. Então, ter a oportunidade de me reunir com ele foi um sonho que virou realidade”, diz a atriz de 66 anos famosa por ter interpretado a cantora Tina Turner na cinebiografia Tina (1993) e a rainha Ramonda na franquia Pantera Negra, da Marvel, papéis pelos quais ela foi indicada ao Oscar.
A possibilidade de interpretar a mulher de De Niro na série foi um fator preponderante para Joan Allen, de 68 anos, voltar aos holofotes. Afastada de Hollywood nos últimos anos, ela já foi nomeada três vezes ao prêmio da Academia – por Nixon (1995; onde também encarnava uma primeira-dama); As Bruxas de Salém (1996) e A Conspiração (2000).
“Eu simplesmente o admirei e respeitei por tantos anos. Ele foi um grande atrativo, mas também pude ler todos os roteiros com antecedência, o que não é usual, e achei a escrita extremamente cativante”, afirma Joan, ressaltando ainda a força da direção de Lesli Linka Glatter (Homeland) e do elenco de peso, que inclui Jesse Plemmons (Ataque dos Cães), Connie Britton (The White Lotus), Bill Camp (O Gambito da Rainha), entre outros.
Kamala Harris, Trump e Musk
Acostumada a ser escalada em produções altamente comerciais, Bassett diz não se importar tanto com o fato de agora participar de uma série que lida com assuntos tão complexos da sociedade.
“Algumas pessoas vão procurar isso puramente por entretenimento e acho que Dia Zero vai satisfazê-los. Há personagens que parecerão familiares”, afirma ela, antes de reconhecer a influência da ex-vice-presidente americana Kamala Harris em sua representação. “Começamos a filmar antes da campanha presidencial, mas ela definitivamente foi uma inspiração junto com Shirley Chisholm – a primeira mulher afro-americana a concorrer à presidência – e outras ativistas políticas negras, Barbara Jordan e Stacey Abrams”, conta.
Perguntada acerca dos motivos que poderiam ter levado Kamala e o Partido Democrata ao fracasso nas últimas eleições e também sobre o atual governo Trump, ela se esquiva nas respostas. “Não quero entrar nesse vespeiro. Mas acabamos onde acabamos. E nós, com esperança, crença e sonhos, sempre vamos nos recuperar e aproveitar o melhor de qualquer situação em que nos encontramos. É isso que faz dos EUA um lugar fenomenal para viver e prosperar”, pontua Angela.
Joan Allen, por sua vez, acredita que a série adverte para que os EUA se preocupem mais com seus problemas internos do que externos. “Se as pessoas ainda não estão cientes disso, eu acredito que Dia Zero trará essa consciência“, diz.
‘Donald Trump ou Elon Musk deveriam assistir à série?’, perguntou o repórter. “Sim, mas isso está além do meu controle”, responde Allen, aos risos e de forma sucinta.
“Acho que todo mundo deveria assistir, mas não acho que eles irão, pra ser sincero”, pondera Newman. “Ou talvez assistam, quem sabe? Seria presunçoso da nossa parte não pensar que existem múltiplas formas de interpretar nosso programa. Haverá pessoas dos dois lados da questão que serão capazes de olhar e dizer: ‘ah, é isso que nós sempre estivemos dizendo’”, finaliza o criador e produtor.
Reprodução: Estadão