Temendo seguir o caminho de 15 partidos que não conseguiram alcançar a cláusula de barreira, o que tem como consequência o acesso aos fundos partidários eleitorais, partidos tradicionais como PSDB, PDT, Cidadania e Novo, que já tiveram de presidente a algumas das maiores bancadas do Congresso Nacional podem, em 2026, simplesmente desaparecer do mapa, e a solução encontrada é a composição de federações partidárias.
O bote jogado ao mar revolto, chamado de federação partidária parece ser a única salvação para a sobrevivência ou adiamento da morte certa de partidos médios, que um dia chegaram a ser grandes, mas que estão vivendo a difícil e implacável mudança ditada pelo poder de escolha do eleitor.
De alguma maneira, PSDB, PDT, Cidadania e Novo desagradam fiéis eleitores que, decepcionados com a postura das legendas em vários assuntos, simplesmente migraram o voto para outro partido. É poder invisível que existe na mão de cada eleitor: manter ou exterminar grupos políticos reunidos em uma legenda que não mais atendem ao que o povo quer que seja feito.
BOTE SALVA-VIDAS
As federações partidárias ganharam impulso este ano como principal tática de legendas representadas na Câmara dos Deputados para lidar com os desafios da regra de desempenho eleitoral, mais conhecida como cláusula de barreira, e para fortalecer a sua influência no plenário.
Os primeiros meses de 2024 foram marcados pela intensificação das negociações por novos arranjos, com alvos nas eleições municipais deste ano e, sobretudo, nos pleitos nacionais de 2026. Para alguns partidos, as alianças representam para os partidos o meio de turbinarem seus projetos. Para outros, são a última cartada para continuarem no jogo das urnas.
Enquanto o União Brasil busca estabelecer uma superfederação de centro-direita com o PP e, possivelmente, com o reforço do Republicanos; o PSDB, já federado ao Cidadania, procura estancar as deserções se unindo ao PDT, com esperança de ainda trazer o Podemos para o pacto. É uma corrente de almas antes da palavra final do eleitor: que representa vida ou morte a esses partidos.
Assim como ocorreu em 2022, com PT-PV-PCdoB, PSDB-Cidadania e PSol-Rede, as federações partidárias praticamente asseguram a conquista de mais assentos na Câmara, conforme o coeficiente eleitoral, e o cumprimento da cláusula de desempenho. A regra vigora desde 2018 e vem endurecendo a cada pleito, com a contrapartida de que os partidos federados sigam juntos nos quatro anos de mandato dos eleitos. Ocorre que nesse arranjo, há um partido que manda e os outros obedecem, caso contrário, são retirados da federação com um simples requerimento, sem maiores dificuldades de deferimento pela Justiça Eleitoral, a quem cabe a última palavra para autorizar a criação de uma federação.
O fato é que, sem a proteção das federações partidárias, algumas legendas podem perder o acesso aos fundos partidário e eleitoral, aos horários de propaganda na TV e aos cargos na Câmara. Por esta razão, muitas negociações conduzidas pelos dirigentes das legendas se orientam além dos aspectos programáticos, ideológicos e históricos ao que mais pesa: acesso ao dinheiro.
Em paralelo, o fim das coligações proporcionais e a aplicação gradual da legislação eleitoral nos últimos anos vem induzindo um processo de fusões e de redução do total de siglas partidárias presentes na Câmara, que chegou ao auge em 2018, com 30, e está atualmente em 23. A tendência é este número cair para oito após 2030, quando o percentual mínimo de votos será de 3%.
Depois da eleição de 2018 só teve direito ao fundo partidário e ao tempo de propaganda o partido que recebeu ao menos 1,5% dos votos para deputado nas eleições, distribuídos em ao menos nove das 27 unidades da Federação, com no mínimo de 1% dos votos em cada uma delas. Os partidos que não atingiram esses percentuais tiveram que eleger ao menos nove deputados para manter o benefício. A exigência subiu para 2% dos votos válidos obtidos no país em 2022 e será de 2,5% na eleição seguinte.
CANDIDATURA PRESIDENCIAL
Após meses de disputas internas pelo controle do União Brasil, com desdobramentos ligados à possível formação de uma federação com PP e Republicanos, a executiva nacional finalmente conseguiu destituir o presidente da legenda, o deputado Luciano Bivar (PE). A manobra não apenas marca a virada na dinâmica de poder interno, mas também impulsiona a candidatura do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, para a Presidência da República em 2026.
Caso a combinação entre as três legendas se concretize, elas formarão o maior arranjo partidário do país, com potencial para capturar o Centrão e a direita, além de já ter a perspectiva de comandar a Câmara e o Senado. O União Brasil tem os candidatos favoritos para a eleição dos presidentes das duas Casas em 2025: o senador Davi Alcolumbre (AP) e o deputado Elmar Nascimento (BA).
SOBREVIVÊNCIA
Em outra circunstância, PDT e PSDB, preocupados em garantir sua sobrevivência política diante da cláusula de barreira, têm negociado uma federação para as eleições de 2026. As conversas estão sendo lideradas pelo presidente nacional do PSDB, o ex-governador de Goiás Marconi Perillo, o senador Tasso Jereissati (PSDB) e o ex-governador Ciro Gomes (PDT). O plano é concretizar essa aliança até 2025, em tempo de influir nas eleições para as mesas diretoras do Congresso.
Para o PSDB, a iniciativa ganha ainda mais relevância após o desempenho arrasador nas eleições de 2022, quando perdeu nove cadeiras na Câmara e viu sua hegemonia no governo de São Paulo, mantida por quase três décadas, ser rompida. O PSDB tem apenas um deputado federal na Câmara do Deputados, algo impensável há quatro anos.
Já o PDT, que anteriormente negociava uma aliança com o PSB, teve seus planos frustrados após o recente rompimento entre Ciro Gomes e seu irmão, o senador e ex-governador Cid Gomes, que migrou para o partido socialista.
DINHEIRO E VOTO
Dinheiro e votos tem que andar de mãos atadas na prática política brasileira. A regra imemorial diz que: um não sobrevive sem o outro. Os partidos vêm se orientando pelas regras da cláusula de barreira desde a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de 2017, em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que havia derrubado ante o mecanismo.
A tendência é que o quadro partidário na Câmara se resuma a oito legendas após 2030, podendo chegar a sete conforme o desempenho já em 2026, sobretudo dos partidos de centro e centro-direita.
As mudanças dialogam com o avanço do Legislativo nos últimos anos sobre a pauta de votações e sobre a definição de políticas públicas, protagonismo que desafia o próprio sistema presidencialista brasileiro.
A aplicação da cláusula de barreira parece não estar promovendo uma consistência ideológica significativa nos partidos remanescentes, embora essa tenha sido uma das justificativas para a sua implementação.
A ideia de dar maior clareza programática às legendas, excluindo do jogo eleitoral aquelas pequenas que apenas vendiam tempo na propaganda eleitoral da TV e votos para o governo no plenário, não eliminou o pragmatismo político. Em vez disso, na opinião de especialistas da matéria: “O verdadeiro jogo continua centrado no controle dos cartórios de candidaturas e no acesso às verbas orçamentárias”.
Embora a redução do número de partidos possa teoricamente enxugar a diversidade política, as fusões e incorporações resultantes tendem a atrair gama mais ampla de afiliações. Especialistas destacam que o objetivo principal da cláusula de barreira era garantir a governabilidade, não necessariamente a coesão ideológica.
AMEAÇADOS
Leandro Gabiati, cientista político e diretor da Dominium Consultoria, diz que a sobrevivência dos partidos à cláusula de barreira é uma questão que suscita diversas apostas. Ele sugere que MDB, PSD, União Brasil, PSB, PT, Republicanos, PL, PP e Podemos têm boas chances de seguir adiante com esforço próprio, enquanto partidos menores precisam avaliar estratégias para continuar no jogo e não perder espaço.
O especialista expressa dúvidas em relação a casos especiais, como PDT e PSDB, que desde o ano passado discutem opções de federações partidárias. Quanto ao Novo, Gabiati é categórico ao afirmar que suas chances de sobrevivência são praticamente nulas diante das regras e de sua inflexibilidade programática.
SEM REPRESENTAÇÃO
Neste contexto, formação de mais federações partidárias é uma tendência que garantirá sobrevivência a legendas que optarem por essa tática diante dos desafios impostos pela legislação.
O percentual que define quantas vagas dentre os 513 deputados cada partido obteve é o mesmo para determinar a sua fatia nos bolos bilionários dos fundos partidário e eleitoral, custeados pelo Tesouro, após arrecadar os impostos do contribuinte, goste ele da política ou não.
Os 23 partidos com assento na Câmara brigam hoje também para figurar no clube de oito remanescentes, pressionados pela sobrevivência política. No último pleito, sete dos 30 partidos da época não conseguiram eleger deputados e muitos outros ficaram na berlinda, em busca de abrigo em fusões ou de federação, a exemplo do acordo entre PTB e Patriota, a incorporação do PSC pelo Podemos e do Pros pelo Solidariedade.
A cláusula de barreira, estabelecida em 2017 como parte de uma reforma política, tem o objetivo de reduzir a fragmentação partidária no Brasil e concentrar a distribuição de recursos dos fundos partidário e eleitoral.
Para manter acesso a esses recursos desde 2023, os partidos precisaram eleger pelo menos 11 deputados, distribuídos em no mínio nove estados, ou obter 2% dos votos válidos para a Câmara em nove unidades federativas. Com exceção do Podemos, os partidos atualmente envolvidos em fusões não atingiram a cláusula, assim como o Novo, que elegeu só três deputados.
Embora as mudanças nas regras eleitorais visem racionalizar o sistema político e melhorar a governabilidade, a redução no número de partidos não deverá acabar com o fenômeno da polarização política. De toda forma, à medida que 2026 se avizinha, as federações partidárias emergem como estratégia crucial para a adaptação dos partidos às novas realidades eleitorais.
BASE DE APOIO
O presidente do Novo, Eduardo Ribeiro, descarta buscar integrar alguma federação partidária para se proteger das ameaças do endurecimento da cláusula de barreira nas próximas eleições para a Câmara. “Entendemos que não há nenhum outro partido que sequer tenha qualquer proximidade com a nossa visão de mundo ou com a nossa cultura institucional. Por isso, não há no momento nenhuma previsão de federação”, disse. O dirigente garantiu que o Novo vai continuar como “partido livre”, atuando solitário nas disputas nas urnas este ano e em 2026.
Segundo Ribeiro, as estratégias que o partido está tomando para atingir os percentuais mínimos de votos válidos exigidos pela cláusula de barreira em 2026 passam pelo engajamento na conquista de filiações e lançamentos de candidaturas desde já.
“O primeiro passo é a eleição de 2024. Lá em 2020, quando disputamos apenas em 46 municípios, perdemos a chance de construir essa capilaridade com vereadores e de prefeitos. Esse erro está sendo corrigido agora. Já estamos presentes em mais de 333 municípios e devemos chegar a 500 para as eleições deste ano, o que nos dará uma base ampla de vereadores, de prefeitos, que darão sustentação aos candidatos a deputado em 2026, definidores da cláusula de barreira”, explicou.
O presidente do Novo acredita que a legenda conseguiu adotar uma estratégia ousada e até mesmo pragmática, com utilização de recursos do fundo partidário que estavam depositados, para poder lançar candidaturas mais competitivas, a partir de uma organização mais sólida. “Estamos muito confiantes de que vamos conseguir alcançar a cláusula de barreira não só de 2026, mas de 2030 também”, disse. Na eleição de 2018, o Novo elegeu oito deputados, número que caiu para três em 2022, deixando o partido ameaçado dentro do avanço dos demais partidos.
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