Professora da Universidade de Brasília e integrante do Fórum Distrital de Educação aponta causas estruturais para o abandono escolar e defende fortalecimento da EJA e revisão de políticas públicas no Plano Distrital de Educação
*Artur Maldaner, Marina Rodrigues
A primeira etapa do Censo Escolar 2024, divulgada na última quarta-feira (9/4) pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), revelou uma retração de 0,5% nas matrículas da educação básica em comparação ao ano anterior. No Distrito Federal, os dados apontam uma redução superior a 8 mil estudantes nas redes pública e privada, com destaque para o ensino médio, que apresentou queda de 6.951 matrículas — movimento oposto à tendência nacional de leve crescimento.
Segundo a professora Edileuza Fernandes, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), os números evidenciam lacunas cada vez maiores entre escolas e estudantes. “A evasão no ensino médio no Distrito Federal é algo que a gente precisa realmente estudar. Enquanto o Censo mostra que, no Brasil, houve um aumento de 1,5%, no Distrito Federal, houve uma queda. Em 2023, tivemos mais de 3,7 mil alunos que abandonaram a rede pública de ensino. Isso é muita coisa.”
Edileuza, que coordena o Observatório de Educação Básica da UnB e lidera o Grupo de Estudos e Pesquisa em Docência, Didática e Trabalho Pedagógico, aponta causas estruturais para o abandono escolar, como a necessidade de trabalhar, a gravidez precoce, a falta de apoio e a ausência de identificação com o modelo de ensino.
“Os estudantes, muitas vezes, não veem essa etapa como algo que atenda às expectativas deles. Esperam se preparar para o mercado de trabalho, mas também adquirir conhecimentos para continuar na educação, numa faculdade, fazer um curso superior”, explica. Ela também destaca que o ensino médio vive uma crise de identidade: “Se você ouvir os estudantes, muitos deles não veem o ensino médio como uma etapa da formação que atenda às expectativas do que eles esperam numa escola.”
EJA em risco
O Censo também revelou uma redução expressiva nas matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), com quase 200 mil estudantes a menos em nível nacional. No DF, a queda está diretamente ligada ao fechamento de escolas e turmas, conforme denúncias do Fórum de Educação de Jovens e Adultos. “O Fórum de EJA tem denunciado que o fechamento de escolas não tem sido acompanhado de debate com a comunidade. E o fechamento não é porque não há estudantes. Ao contrário, existem dados que mostram que esses estudantes existem, sim”, pontua Edileuza.
Ela explica que a maioria dos estudantes da EJA trabalha durante o dia e busca a escola à noite, o que exige acessibilidade e proximidade. “Quando há o fechamento de escolas da EJA, isso pode dificultar o acesso desses estudantes e, em contrapartida, até corroborar o abandono da escola. Eles não voltam mais porque não têm acesso.”
Outro fenômeno observado é a migração de estudantes do ensino médio regular para a EJA, motivada pela necessidade de acelerar a formação e ingressar no mercado de trabalho. “Essa redução tem a ver com estudantes que querem acelerar o processo de formação porque precisam trabalhar ou conseguiram um estágio remunerado. Aqui em Brasília, eles acabam tendo até maiores condições de conseguir esses estágios do que em outros estados, porque temos muitos órgãos públicos.”
No entanto, a falta de acessibilidade desses jovens à EJA pode facilitar o abandono dos estudos. “Se o estudante do ensino médio conseguiu um estágio remunerado, porque precisa ajudar na manutenção da família, trabalha durante o dia ou está no estágio no contraturno, e migrou para a EJA, mas não consegue uma escola perto da casa dele, o que ele vai fazer? Ele pode abandonar, sim”, lamenta a professora.
Nesse contexto, Edileuza defende que os dados do Censo precisam ser considerados com seriedade na formulação do novo Plano Distrital de Educação. “Todas essas questões que o Censo Educacional revelou, como a redução de matrículas, o não atingimento da meta do acesso à creche, o deficit de vagas, a educação de jovens e adultos, a ampliação da educação integral, a valorização dos profissionais da educação, precisam ser discutidas.”
A pesquisadora também reforça a importância de uma construção participativa: “É fundamental garantir financiamento, o aumento do PIB para a educação. Tudo isso será discutido com as redes, universidades, entidades e movimentos sociais.”
Crescimento da rede privada
O Censo 2024 também apontou um crescimento de 1% nas matrículas da rede privada, com o DF mantendo-se como a unidade federativa com maior percentual de estudantes nesse setor. Para Edileuza, esse crescimento deve ser analisado no contexto da renda local. “O DF tem uma renda média maior do que outros estados, então existe a possibilidade de que alguns estudantes da rede pública estejam procurando a rede privada.”
Ela lembra que, durante a pandemia, o movimento foi oposto. “Com o ensino remoto e a crise econômica, muitas pessoas perderam o emprego. Famílias que tinham filhos na escola particular os transferiram para a rede pública. Tanto que, no período pandêmico, a rede pública do DF teve um acréscimo de quase 30% das matrículas.”
Para Amábile Pacios, vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), o crescimento da rede privada também pode ser atribuído à sua agilidade durante a pandemia. “Durante a pandemia, as escolas particulares foram ágeis e eficazes na reorganização do calendário, na implementação de tecnologias e no acolhimento das famílias. Essa resposta rápida foi determinante para manter e atrair estudantes.”
Edileuza também chama atenção para a estrutura administrativa do sistema educacional do DF, que concentra funções normalmente divididas entre estados e municípios. “O DF reúne as atribuições de estado e de município. Enquanto os municípios são responsáveis pela educação infantil e pelo ensino fundamental, e os estados pelo ensino médio, o DF é responsável por tudo. Essa natureza precisa ser considerada.”
A professora conclui destacando o principal desafio educacional hoje: garantir permanência com qualidade. “Mais de 90% das crianças e jovens até os 18 anos estão com acesso à educação. No ensino fundamental, já universalizamos. O grande desafio agora é garantir que esse acesso seja acompanhado de qualidade, que os estudantes permaneçam na escola e que aprendam.”
*Estagiário sob a supervisão de Marina Rodrigues
Foto Reprodução