O longa completou 30 anos com fôlego de sobra e a personagem Cher Horowitz continua sendo um ícone de estilo, empatia e persuasão que merece ser redescoberto.
Quem viveu os anos 1990 certamente se lembra do impacto imediato de As Patricinhas de Beverly Hills nos cinemas. Lançado em 1995, o longa estrelado por Alicia Silverstone marcou época com sua estética vibrante, frases inesquecíveis e um figurino que reinventou o guarda-roupa adolescente. Mas o filme vai muito além de conjuntinhos xadrez e falas engraçadas ele é uma comédia romântica afiada, com crítica social, homenagem literária e uma protagonista muito mais complexa do que aparenta.
Um clássico que envelheceu bem
Inspirado no romance Emma, de Jane Austen, Clueless (título original) se passa na ensolarada Beverly Hills e gira em torno de Cher Horowitz, uma adolescente rica e popular que acredita saber o que é melhor para todo mundo inclusive para o amor dos outros. Com inteligência disfarçada de ingenuidade, o roteiro equilibra humor leve com comentários sociais e constrói uma narrativa que ainda hoje diverte e provoca reflexões.
Na época, a diretora Amy Heckerling foi ousada ao transformar um clássico da literatura inglesa em uma comédia teen californiana. E acertou em cheio. Não à toa, o filme inspirou uma série de outras adaptações modernas de obras clássicas, como 10 Coisas que Eu Odeio em Você.
Cher Horowitz: muito além de uma roupa bonita
É fácil subestimar Cher à primeira vista. Linda, mimada e cercada de privilégios, ela poderia muito bem ser a antagonista em qualquer outro filme da época. Mas As Patricinhas de Beverly Hills dá uma reviravolta nesse estereótipo ao mostrar uma protagonista que, embora esteja imersa em um mundo fútil, tem bondade, inteligência emocional e poder de persuasão surpreendentes.
Na clássica cena do discurso sobre os haitianos em sala de aula, Cher tropeça em argumentos confusos, mas demonstra uma empatia genuína com causas sociais mesmo sem entender bem o contexto político. É esse tipo de “ingenuidade com boas intenções” que a torna tão encantadora e humana. Ela erra, aprende, tenta de novo. E no meio do caminho, ainda junta casais, ajuda amigas a se encontrarem e reconhece os próprios sentimentos.

Aliás, uma das provas mais doces do coração generoso de Cher é o plano que ela elabora para aproximar dois professores solitários da escola não por interesse próprio, mas para espalhar um pouco de romance (e facilitar as notas da turma, claro). O plano dá certo, e o gesto revela que, por trás do gloss e dos conjuntinhos, há uma jovem que realmente se importa com os outros.
Cher também revela um lado sensível e maduro na relação com o pai, um advogado workaholic que ela cuida com zelo genuíno. Desde monitorar a alimentação dele até organizar documentos e acompanhar de perto seu bem-estar, ela mostra que o amor pode estar nos pequenos cuidados do dia a dia.

E como não falar da amizade com Dionne? Ao lado da melhor amiga uma jovem negra igualmente estilosa, segura e inteligente, Cher compartilha risadas, discussões sobre relacionamentos e, sobretudo, confiança. Juntas, elas representam uma amizade feminina cheia de personalidade, cumplicidade e respeito.
Outro destaque é a relação de Cher com Christian, o colega charmoso e misterioso por quem ela se apaixona antes de descobrir que ele é gay. Em vez de reagir com frustração ou preconceito, Cher lida com a revelação com doçura e maturidade. Ela continua sendo sua amiga fiel, o convida para programas, respeita sua individualidade e até compartilha com ele seu amor por filmes antigos e moda. Essa amizade, construída sem julgamentos, reforça o quanto Cher é aberta ao outro e como, mesmo em meio à sua busca por romance, ela valoriza conexões sinceras e afetos verdadeiros.
Como disse a própria Alicia Silverstone: “Cher dava às pessoas a permissão de parecerem que se importavam com a própria moda e com os outros.”
O poder da moda
E falando em moda… poucos filmes têm um legado fashion tão duradouro quanto As Patricinhas de Beverly Hills. Ao todo, a protagonista troca de roupa 60 vezes ao longo do filme e usa sete combinações diferentes de xadrez, tendência que voltou com tudo nas passarelas.

A figurinista Mona May transformou o figurino em uma linguagem própria da personagem, misturando referências do estilo europeu, indiano e dos desfiles mais ousados da época. Looks como o conjunto xadrez amarelo (de Jean Paul Gaultier), o vestido Calvin Klein off-white e os trajes de academia com sobreposições criaram uma identidade visual tão marcante que até hoje inspiram coleções como a do estilista Christian Siriano em 2023.
Mais recentemente, o hotel L’Ermitage Beverly Hills lançou a Clueless Suite, uma suíte de luxo que replica o universo da personagem com closet interativo, looks rotativos, parede xadrez amarelo, presentes da Bloomingdale’s e até acesso a um Jeep branco conversível igual ao de Cher. Um tributo à altura de um ícone fashion que ainda movimenta a cultura pop.
Temas que continuam atuais
Engana-se quem pensa que o filme é só moda e romance. Clueless trata, com leveza e inteligência, de classes sociais, amadurecimento emocional e o poder das aparências. A decisão de ambientar a trama em uma escola de elite na Califórnia espelha as tensões sociais da Inglaterra regencial retratada no romance original de Jane Austen.

A exclusão de Tai pelos “padrões de beleza”, a resistência a aceitar um novo amor por laços familiares e até a forma como Cher se responsabiliza por suas ações tudo isso revela um roteiro com mais camadas do que aparenta.
Mesmo com algumas polêmicas, como o relacionamento entre Cher e Josh (seu ex-enteado), o filme ainda é celebrado pelo tom leve e por ser um dos poucos da época a incluir protagonistas negros (como Dionne e Murray) e personagens LGBTQIA+.
Por que ver (ou rever) Clueless em 2025
Se ainda precisa de motivos para dar o play, aqui vão alguns:
Personagens carismáticos que fogem do óbvio
Frases inesquecíveis que viraram memes e legendas até hoje (“Eca, nem morta!”, “Isso é um Alaïa!”)
Humor leve com crítica social embutida
Uma protagonista feminina que lidera, argumenta e evolui sem precisar mudar quem é
Um figurino impecável que continua atual três décadas depois
Uma história sobre empatia, identidade e descobertas pessoais que atravessa gerações
As Patricinhas de Beverly Hills não é só um filme sobre moda é um filme sobre como crescer envolve mais escuta do que fala, mais coração do que rótulo. E, sim, é também sobre como acertar no look pode ser um superpoder.
Em tempos de insegurança e excesso de cinismo, revisitar esse clássico pode ser exatamente o que precisamos: uma dose de otimismo, cor e inteligência com um toque de gloss.
Por: Thays Garcia/ A Província do Pará
Imagem: Pinterest