Na Ilha do Combu, a apenas 1,5 km de Belém (PA), um grupo de mulheres extrativistas encontrou uma alternativa criativa e sustentável para combater a poluição plástica que assola os rios amazônicos: transformar folhas de cacau em embalagens biodegradáveis.
Diante do acúmulo de lixo nas margens do rio Guamá que já soma mais de 150 mil toneladas retiradas apenas entre janeiro e abril deste ano, segundo a Prefeitura de Belém as integrantes da Associação de Mulheres Extrativistas da Ilha do Combu (AME) decidiram agir. Combinando saberes ancestrais com orientação técnica, elas passaram a coletar manualmente folhas de cacau, tratá-las com fervura, lavagem e secagem natural, até que se transformem em embalagens ecológicas.
“Poderíamos comprar sacolas prontas, seria mais fácil. Mas precisamos cuidar de onde vivemos. A floresta cuida da gente, então precisamos retribuir isso”, explica Rosineide Trindade, integrante da AME.
O processo, que já ocorre há cerca de três anos, foi aperfeiçoado com o apoio de voluntários: advogados, químicos e pesquisadores se somam à causa, admirados pela inovação local. Para a professora Sury Monteiro, diretora da Faculdade de Oceanografia da UFPA, a iniciativa é um exemplo de como o conhecimento tradicional pode gerar soluções eficazes para a crise ambiental.
“Valoriza o que é local e mostra que é possível gerar renda cuidando do meio ambiente”, afirma a especialista.
Enquanto o Pará lidera a produção nacional de cacau, a Ilha do Combu mostra que o fruto pode ir além do chocolate. As folhas, antes descartadas, agora embalam produtos naturais como sabonetes e óleos, feitos artesanalmente pelas mulheres da AME.
A crescente atividade turística na ilha que saltou de 3 para 60 empreendimentos entre 2000 e 2023 trouxe não só desenvolvimento, mas também desafios. O turismo predatório, com descarte irregular de lixo e desmatamento, tem transformado a paisagem local. “O que antes era verde e silencioso agora dá lugar a construções e muito lixo que nem é nosso”, lamenta Dayane Sarmanho, uma das associadas.
Para a professora Sury, a contaminação da água por microplásticos já afeta toda a cadeia alimentar, chegando aos peixes e, consequentemente, à mesa dos moradores. Ela reforça que soluções como a da AME são fundamentais, pois respeitam o ecossistema e mostram que ciência e ancestralidade podem caminhar juntas.
“Antes de haver centros urbanos, essas comunidades já existiam, cuidando desse ambiente. É urgente que a sociedade se conecte aos saberes das populações tradicionais”, conclui.
A experiência da AME inspira outras comunidades amazônicas e revela que, na floresta, também brotam respostas inteligentes, sustentáveis e profundamente enraizadas na cultura local.
Imagem: Carolina Mota