domingo, fevereiro 16, 2025
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Literatura – Jorge canta Verequete

Jorge Pimentel é o cara! Ao seu patronímico arguo suspeição por motivo de foro íntimo, como usam (e andam abusando) os magistrados. Contudo seu prenome é de santo guerreiro, escritores e artistas, como, Amado, Orwell, Benjor, Harrison e tantos outros. Mas, escrevo pra falar de uma faixa do CD “Meu Canto” (que merece um comentário à parte), de Vicente Filho, que traz a marca multiuso de Jorge, parecendo aquela história do goleiro que sai da sua área pra bater escanteio e depois corre pra pegar o rebote e fazer o gol do título. É quase isso, mais que isso, o cara compôs algumas das faixas, tocou e produziu o CD. Gol de placa! Tenho ouvido o disco a semana toda, não sai do aparelho sonoro do meu carro. Gostei do conjunto da obra, mas é a faixa “Três Caboclos Encantados” que vou comentar, a que mais gostei até agora. Acho que fui influenciado por tê-la ouvido pela primeira vez interpretada pelo próprio autor.

A música é um primor. Melodia e letra, harmonia e arranjo se casam. E a batida é esplêndida, parecida com o carimbó de Marapanim e Maracanã, minha terra. A composição, que é uma baita homenagem ao mestre Verequete e posso garantir, é muito melhor que o filme “Chama Verequete”, mesmo que não o tenha visto até agora.

Jorge usa imagens, chamadas de ícones pelo modismo, que só os poetas sabem imaginar e como fazer. E faz e acontece na trilha do imaginário, e sua generosidade atribui uma importância galáctica ao homenageado.

O nascimento na alta madrugada, o clarear na encruzilhada, o canto do galo, remetem ao nascimento do Homem. E o trinar da passarada num canto carimboleiro é pura poesia. A expressão “banzeiro” é por demais oportuna no sentido da agitação que se faz com o esperado nascimento de uma pessoa, também ligada à agitação das águas em nossa região litorânea, seguida da coloquial pareceiros que se ajuntaram. Irretocável!

E o ápice da homenagem se faz com a chegada dos três caboclos encantados que dão título à composição, trazendo mimos ao recém-nascido. Essa construção complementa a meta frase do maior nascimento, tanto pelos presentes como pela analogia aos Três Reis Magos que há dois mil anos trouxeram ouro, incenso e mirra. A música encerra com o nome do homenageado com a modulação das cantorias sacras, separando o antepositivo (vere) de verecúndia, no sentido de reverência, fecho de ouro da homenagem.

Quando Jorge, após executá-la, na intimidade da família, sábado passado, disse que o mestre ao ouvi-la, resmungou que não era carimbó, me manifestei imediatamente dizendo que se Mozart ressuscitasse e fosse fazer uma homenagem a alguém, provavelmente faria uma sinfonia. E depois, minha mãe, que é daquelas bandas e conhece dessa manifestação cultural, identificou logo com o ritmo de sua terra. Se eu não tinha dúvidas, agora nem corro o risco de ter.

O mestre em sua ingenuidade não percebeu que foi a maior homenagem que já recebeu, num caso de fã maior que o ídolo. Jorge fluiu o que tem em seu sangue amazônida e o que sua alma bebeu nas idas e vindas a Algodoal, de suas passagens por Marudá e Marapanim, e das noites de luar naquelas paragens, cujos batuques contribuíram para suas feições de compositor.

O trabalho alça o autor ao panteão dos grandes da música popular, mesmo que outros não achem. Por mim, fico feliz pela composição, por sua contribuição à cultura e pelo trabalho realizados por um conterrâneo e na terra. E mais, porque o cara é meu primo!

Três caboclos encantados

Jorge Pimentel

Quando nasceu Verequete

Era alta a madrugada

Clareou na encruzilhada

Galo cantou no terreiro

Se ouviu rufar de pandeiro

E bumbá tremer a mata

Trinou toda a passarada

Num canto carimboleiro

Quando amanheceu o dia

Foi que aumentou o banzeiro

Caboclo cantou toada

Se ajuntaram os pareceiros

Fazendo a maior zoada

E a roda de carimbó

Correu solta no terreiro

Remando de muitas águas

Chegaram de montaria

Três caboclos encantados

Na hora da Ave-Maria

Trazendo cachaça e fumo

Ganzá, banjo e clarinete

Chapéu de feltro e tambor

De presente a Verequete

É vê …Verê …

Verequete aiêê…

Belém, 18/4/2007

Texto: Roberto Pimentel*O autor é advogado, delegado de Polícia aposentado, radialista e escritor. Escreve toda quinta-feira neste espaço de A PROVÍNCIA DO PARÁ

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