sexta-feira, fevereiro 7, 2025
Desde 1876

Literatura – Anexos em separado

O Fusquinha trepidava muito no asfalto liso. Era um táxi padronizado e bastante surrado, com amortecedores que não funcionavam. O dia amanhecia e eu acabara de chegar a Salvador depois de uma longa viagem de ônibus que partira de Belém, cidade onde morava. Foram quase 40 horas dentro do ônibus.

Estava cansado e farto de tanto asfalto. Ansioso por um banho e por reencontrar minha família baiana. Lembrei que morei muitos anos em Salvador antes de ir para Belém, bela e amada cidade que me deu de presente mulher, filhos, emprego e que me acolheu, uma tradição centenária dos paraenses.

O motorista do táxi queria aumentar o preço da corrida e escolheu o caminho mais longo. Outra tradição da maioria dos taxistas baianos e talvez de todo país.  Não objetei e nem nada falei sobre meu vasto conhecimento da geografia da cidade que atraia cada vez mais turistas.

Estava ansioso por um banho de mar na praia da boca do rio. Acreditava que a água salgada e as ondas fortes onde nadava com prazer antigamente haveriam de injetar ânimo nas minhas veias.

No percurso, também lembrei que minha mulher paraense havia se apaixonado pelas praias baianas, especialmente as localizadas em Itaparica, em Caixa Prego.

Estava exausto e desanimado quando o Fusquinha chegou à Baixa do Sapateiro e seguia em direção à Barroquinha, local onde trabalhei por mais de um ano no Jornal da Bahia. Pus fim à patifaria do motorista gaiato e desonesto alertando-o para entrar à direita, já que iria para a Cruz do Pascoal, onde me hospedaria na casa da Dra. Maria Palácios, minha irmã mais velha dos seis irmãos.

Cheguei, enfim, no endereço e desci do carro desanimado. Paguei a corrida e ainda dei uma generosa gorjeta ao motora. Ele ficou surpreendido quando revelei que já fora motorista de táxi em Salvador, cidade que conhecia como a palma de minha mão. Depois, troquei de profissão e fui trabalhar no jornalismo. Trabalhei nos principais jornais de Salvador e rodava a cidade toda.

Minha irmã abriu a porta puxando uma cordinha que destravava a fechadura. Minha bagagem eram duas mochilas pequenas. Uma com roupas e a outra com as gostosuras mais tradicionais da culinária paraense.

Fui acolhido como se morasse na cidade e visse a maninha todos os dias. Nem parecia que havia muitos anos que não nos reencontrávamos. Ela corrigia provas de seus alunos universitários e parecia exausta e desanimada.

Perguntei se estava bem. Ela apenas me entregou uma das provas que já havia examinado. A tinta vermelha da caneta Bic deixava suas marcas espalhadas no texto.

Os erros de português eram graves, principalmente os ortográficos e gramaticais. Examinei desinteressado, mas li no final do texto uma frase que não me sai da memória mesmo depois de muitos anos: “Os anexos segue (m) em separado”.

Texto: Raimundo Souza

*O Autor é jornalista, integrante da equipe de articulistas de A PROVÍNCIA DO PARÁ e escreve todo sábado neste espaço

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