Estudo inédito mostra que 1 em cada 4 jovens sofre impactos psicológicos após eventos extremos como secas e chuvas intensas
Os efeitos das mudanças climáticas vão além dos prejuízos ambientais e materiais. No arquipélago do Marajó, no Pará, um estudo recente revelou que 27,84% dos adolescentes relatam impactos psicológicos após enfrentarem eventos extremos, como longos períodos de seca ou chuvas intensas. A pesquisa foi conduzida pelo Instituto Mondó e ganhou destaque internacional ao ser apresentada na III Conferência Internacional de Políticas Públicas e Ciência de Dados, em Portugal.
Realizado em escolas públicas da região, o levantamento ouviu 208 adolescentes, 102 professores e 212 pais ou responsáveis. Mais da metade dos estudantes (56,93%) disseram ter sido diretamente afetados por fenômenos climáticos severos. Ainda assim, foram os adultos que relataram maior abalo emocional: quase 60% dos professores e mais da metade dos pais disseram sentir impactos psicológicos após esses eventos.
Ferramenta reconhecida mede sintomas de depressão
Os pesquisadores usaram a ferramenta PHQ-9, método amplamente utilizado por médicos e psicólogos, para identificar sintomas de depressão. Ela se baseia em uma escala que vai de 0 a 27 pontos, com perguntas sobre humor, sono, apetite e outros sinais emocionais.
Para o pesquisador Rodrigo Arruda, do Instituto Mondó, os dados mostram uma diferença clara entre as gerações: “Professores e responsáveis, por lidarem com mais responsabilidades, apresentam maior prevalência de problemas psicológicos. Já os adolescentes, apesar de afetados, podem ter menor consciência do impacto ou lidar com ele de forma diferente.”
Escola, rotina e rendimento também são afetados
As mudanças climáticas interferem até no funcionamento das escolas. A professora Esteliane Santos, que atua em Breves, conta que a seca dificulta seu deslocamento: “A estrada de terra vira poeira. Usar a moto fica perigoso. O trajeto demora mais, o rendimento cai, e preciso dedicar mais tempo ao trabalho.”
Ela também nota o reflexo entre os alunos: “Ficam mais cansados e faltam com mais frequência durante períodos de seca ou de chuva intensa.”
Famílias convivem com medo e perdas
O impacto desses eventos na vida familiar também é intenso. A dona de casa Nilza do Amaral, moradora de uma área próxima a um igarapé em Breves, lembra das chuvas fortes que alagaram sua casa há dois anos: “Perdemos o televisor, tivemos que improvisar uma ponte pra chegar ao banheiro. Até cobra apareceu dentro de casa. Foi desesperador.”
A situação forçou a família a levantar o piso da casa. “A vontade era ir embora, mas ir pra onde, se não temos pra onde ir?”, questiona.
Acolhimento e rede de apoio: nasce o PROA
A pesquisa também identificou outros fatores que impactam a saúde mental dos jovens, como violência, bullying, racismo, misoginia e LGBTQfobia. Com base nesses dados, surgiu o PROA – Programa de Orientação e Acolhimento, voltado ao cuidado emocional de estudantes, professores e famílias em Breves.

A iniciativa é do Instituto Mondó, em parceria com a Fundação José Luiz Setúbal. “Já tínhamos ações voltadas à saúde da família e da mulher. Faltava algo focado na saúde mental da comunidade escolar”, explica Carolina Maciel, diretora executiva do Instituto.
O PROA já capacitou 160 profissionais das áreas de saúde, educação e serviço social, formando multiplicadores que atuam diretamente nas comunidades. A formação incluiu encontros presenciais e mentorias online.
“O diferencial é criar redes de acolhimento dentro do próprio território”, diz Carolina. Atualmente, o programa mapeia espaços de referência em saúde mental que receberão apoio contínuo e a colaboração dos profissionais treinados.
Por: Thays Garcia/ A Província do Pará
Imagem: Divulgação